Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Sebasto de Todos os Santos - por José do Vale Pinheiro Feitosa

Sebasto nasceu, viveu e morreu no Belmonte. Aquele sítio de antigamente, que possuía um pequeno açude que enchia e secava todos os dias: com as fontes da chapada do Araripe. Irrigava o canavial. Sebasto era do chão que deu a lima mais doce que um feliz do mundo jamais provou igual. Lima é o cítrico mais estranho que se conhece. Ela nunca é ácida, pode ter um travo amargo, nunca azedo. Sebasto era um santo do pé da serra.

Tinha uma relação íntima com a aguardente destilada ali mesma naquele engenho do Belmonte. A aguardente não embriagava Sebasto, ele era quem abria no seu corpo líquido as brechas da magia ultranatural. Pois sobrenatural já está contaminado pelo cinema de terror e ninguém iria me compreender direito. Era ultranatural, pois através da “piojota”, Sebasto ia além das encostas em que foi inventado. Adiantava-se às visões focais deste crônico glaucoma que acometeu a civilização do dinheiro e dos objetivos. Sebasto, tornava aquele destilado da cana num transporte aonde ia mais longe que todo mundo.

Muito mais que o intenso trânsito de burros entre a casa de farinha do Belmonte e as plantações de mandioca na planura da chapada. Pois era nas farinhadas, quando Sebasto montado em sua magia ultranatural, aproveitava a ajuntada de gente para fazer suas viagens mágicas, pelos mundos paralelos dos Cariris, dos africanos do Sahel, dos contos de fadas ibéricos que por si vinham dos gregos, romanos, germânicos e, por último, dos semitas. Mas naqueles idos dos anos 50 e 60 as visões ultranaturais de Sebasto eram de uma narrativa muito além do realismo fantástico. Eram um ultra-realismo fantástico.

Ninguém mais compreendia os bonecos que hoje dizem mamulengo, mas não me lembro de assim o povo os chamarem. Sebasto era um pouco do enredador Casemiro, tinha algo de príncipe e, também, da paixão da donzela. Jamais se viu outra platéia igual àquela. E parte mais viva da platéia não era a coletiva, era um só que parecia se multiplicar na sessão dos bonecos.

Sebasto era a expressão teológica mais pura do que de fato é o cristianismo. Especialmente o católico. Explico-me. Ou, melhor, explico o Sebasto. Todos sabemos que a base da religiosidade judaico-greco-romana é de origem da mesopotâmia: monoteísta. Se pegarmos a primeira perna, a judaica, é puramente monoteísta, com seus profetas a educar, por parábolas, as regras da unicidade. Os muçulmanos, pois é esta a natureza dos semitas, são iguais. Já o cristianismo, com o catolicismo em extremo, tem as demais pernas e delas importou o politeísmo. Eis o que são os santos.

Sebasto dizia que Deus era neutro. Tinha criado o mundo e deixou que ele rolasse por vontade própria. Nunca intervém para não modificar este movimento que ele mesmo deu por autonomia. Deus não protege, em especial, a ninguém. Isso seria tomar partido. Por isso é que os humanos têm que falar com os santos. Eles são os mensageiros entre a humanidade e Deus. Sebasto, como todo mundo católico e ortodoxo, reza para os santos. Só através deles podem conquistar alguns adjetivos atribuídos a Deus, que Sebasto dizia que não eram dele, Deus não pode ser adjetivado. Aqueles atributos de amor infinito, de piedade, de perdão, de tudo que é atitude e ação, não eram de Deus, mas dos santos.

Sebasto, acho, era mágico na sua visão de mundo, mas realista na visão dos humanos: afinal os santos só possuíam aqueles adjetivos porque nasceram mortais como todos nós.

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