Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Sou o que faço de mim - Emerson Monteiro

A tradicional conceituação de existirem os três aspectos comuns de personalidade para formar a constituição da individualidade, quais sejam id, o eu primitivo; o superego, o eu ideal; e o ego, o centro real da pessoa, a consciência do eu, o que representa a base original de onde procede ao que se fará de si mesmo. Tais são conteúdos iniciais de um longo itinerário a chegar na transformação do ser rumo à realização maior das existências, o que se dará sob as leis fundamentais do reconhecimento dessa longa estrada, até a individuação definitiva. Há, em consequência dessa dialética, uma personalidade suprema das individualidades em formação, o que admite, desde as religiões mais arcaicas, passando pelas teses estruturalistas das escolas científicas que estudam a psicologia humana, uma confluência ao Eu verdadeiro, que ora recebe nomes diversificados, a depender dos códigos que aprofundam o assunto. Cristo, Senhor, Consciência Cósmica, Suprema Personalidade de Deus, Eu Superior, Krishna, etc.
Enquanto de um dos lados, na vida de relações, observa-se essas configurações para a formação da personalidade instalada em todo ser humano, o aspecto instintivo animal; o eu moralista que a tudo define sob o prisma da fundamentação teórica do que deveria ser e ainda não o é; e o eu das relações consigo mesmo e com o universo, o que expressa nomes, pessoas, memórias, pensamentos, sentimentos e valores externos do ente social; no outro pólo dialético apenas a ordenação objetiva da síntese, ou nova tese, indica tão só a completa integração da personalidade com a natureza mais perfeita, inclusive acima dos juízos de valor, justificativa da existência da espécie e causa primeira à qual regressará à medida que reencontre o ele perdido, na vertente universal de tudo. Será o regresso à casa do Pai, qual dito nalgumas escolas místicas.
Todo o sentido daquela interpretação fragmentária da realidade, que obedece ao prisma dos três aspectos científicos das variações que formam a personalidade conhecida, apenas, portanto, significa uma fase primária de localização dos conceitos do eu consigo próprio, à mercê dos vetores da realidade interpretativa enquanto inexiste a conversão a que se destina no objeto do processo vida, uma razão maior e motivo primordial da existencialidade humana e dos demais seres e objetos materiais.
Ao instante da percepção criadora do Ser definitivo, o que aborda a epopéia da civilização no decorrer da história das existências, revela em si o ápice da criação e o crepúsculo das coisas na matéria, conquanto fundir-se-ão as consciências na luz espiritual da imortalidade eterna, a resultar na totalidade plena e satisfação absoluta da existência e do movimento que formam a Natureza.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Entre o som e o silêncio - Emerson Monteiro


No enquanto da tarde imensa, buscava, no sono, o conforto, quando trovões sacolejaram de ribombos vagas distantes, entrecortando o canto intermitente de um sabiá na mata. Por dentro, porém, calma não veio, deixando apenas de si perguntas e a vontade de escrever, atender ao instinto da sintonia de pensamentos e frases, resposta prudente. Sem alternativas, deixei a rede e cheguei neste porto de papel.
Diante das muralhas intransponíveis das realidades em cada minuto, os dramas e as comédias. Velórios e folias, cascalhos e flores. Os verdes lodos, a crescer dos tijolos, brilham intensos das folhas, no verde das construções antigas. Luzes veludosas prorrompem as faixas de cor suave, em volteios de alegres pássaros nos arvoredos ainda molhados, penetrando curvas e caminhos de seus perfumes silvestres.
Aparências de matéria se acalmam, e, com isso, a fome preguiçosa das respostas e os gritos das farpas e do coração. Só o trilho e as peças do movimento agitando as entranhas. Trocar de passo no sabor dos ventos. Apreciar a paisagem de desenhos multiplicados, que chegam pelo sempre de toda vez que aparece. Agitação, tecnologia de janelas inúmeras, matemáticas, e pessoas chorosas ou sorridentes, nas ruas da lembrança. Enredos, montagens de espetáculos efetivos através das galerias acesas, nos finais de tardes transcendentes. Portas abertas da feroz imaginação; ubres espaçosos e leite derramado. Filhos nascendo e naves partindo a todo o momento.
Com isso, bruxos ou sacerdotes desfibram velas nas catacumbas, ao som de monótonas cantigas espalhadas no amplo firmamento. Catedrais dadivosas envolvem de mistério as maiores dimensões, na possibilidade arquitetônica das divinas ofertas. Natureza reluzente, e o pátio do infinito, onde, azuis, homens e feras vadias, envoltos em flores, amor e prudência, pastam felizes, silenciosos. Um paraíso de sonhos aberto aos viventes, que lhe sobrevoam e descem de olhos atentos ao segredo das árvores, dos rios, florestas e mares, calmos e fiéis ao Ser Supremo.
Nenhuma dúvida mais atiça o desejo realizado, de tudo, o nada absoluto, agora pleno de fragor, arfa satisfeito. Entregam-se, pois, das ondas às areias, guerreiros livres de tribunais e prisões; ausentes das abandonadas conquistas; o prazer completado no fastio. Dali, a convergência no ponto único da plenitude.
Após reunir tais palavras em sentimentos, vórtice impetuoso de energia sacudindo os anéis da garganta chegou cá fora, nessa colagem de versos, pelas cordas sonantes dos dedos nas teclas. Fluir das histórias de dentro em imagens presentes nos céus.
Ribombam trovões, nessa tarde, e um sabiá alimenta de chilreios o ar, maestro exclusivo, na vegetação sertaneja.

Governos de conveniência - Emerson Monteiro

A onda que varre dos comandos governantes de países árabes deixa no ar uma séria lição, qual seja: o capitalismo ocidental brincou em serviço quando apoiou a maioria desses ditadores que o próprio tempo se encarrega de eliminar, atitude que demonstra por demais a irresponsabilidade das democracias ricas em relação aos países atrasados deste mundo. Ninguém avalie, portanto, sua posição acima do mal e do bem, como agem detentores da riqueza, nas poderosas economias nacionais.
Depois da crise do petróleo, verificada com a Guerra dos Seis Dias entre árabes e judeus, no ano de 1967, os países detentores das reservas decidiram aumentar o preço do barril do ouro negro a níveis pouco imagináveis. As nações árabes descobriam, enfim, o quanto vale o subsolo nesta civilização contemporânea. O Ocidente, principal consumidor, instalava, naquelas economias crescentes, através dos ardis de bastidores, líderes que lessem nas suas cartilhas, para, mais adiante, dado o despreparo da maioria deles, haver de exterminá-los ao preço das dores civis, notícias que, antes, vieram do Afeganistão, do Iraque, e, agora, num rastro de pó e sangue, das ditaduras de conveniência que afundam, impostas que foram às nações em crise pela barganha dos potentados capitalistas.
Eis uma história marcada, programada de longo prazo. Nas décadas de 60 e 70, as Américas sofreram da mesma fórmula, que serviu, durante 20 ou mais anos, ao pretexto de manter a ordem nesta parte do chão. Os custos disso, atraso na maturidade dos povos, taxa elevada em termos de aperfeiçoamento histórico negativo, subserviência e alienação de gerações inteiras.
Tais exercícios de intervenção alimentaram elites reacionárias e corruptas, ocasionando consequências perversas de vazios profundos no futuro, visando o lucro das conquistas do mercado imperialista.
Essa crise fenomenal que ora elimina titulares carimbados no Egito, na Tunísia, e se espraia pela Líbia, pelo Iêmen e outros países, representa, pois, a derrocada dos esquemas absolutistas impostos pelos ocidentais a povos do Oriente, engordando famílias e governos ilegítimos, quais novos cônsules da Antiga Roma dos césares.
Os resultados da ação equivocada sujeita, com isso, perder a humanidade, expondo conquistas democráticas, devido à injustiça que contagia vizinhanças e domínios equilibrados, pondo risco, por exemplo, na estabilidade da Europa, comunidade que, através dos séculos, ficava distante das convulsões da Ásia e da África. Já que existem, porém, nos tempos atuais, o excesso populacional e as facilidades do deslocamento das massas humanas, o Velho Continente sofre com as angústias do futuro., nuvens escuras crescem das bandas do Nascente, na geopolítica internacional, e, queira Deus, uma autocrítica honesta de quem responsável motive rumos novos aos tristes acontecimentos verificados.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Efeitos Colaterais

Godofredo e Isabel mantiveram um casamento perfeito por quase vinte anos. Eram figuras icônicas nas brigas dos amigos: “ Você devia ser como o Godofredo!” “Por que você não se porta como a Isabel , aquilo sim é que é uma mulher”. Vencido o prazo de validade de todo matrimônio, quando o remédio fabuloso começa pouco a pouco a mostrar seus efeitos colaterais, sua reações adversas e a se transformar em veneno, o casal começou a ficar mais distante, nem discussões mais conseguiam entabular. No espaço vazio do relacionamento, terminou por surgir alguém para preencher a vaga. Godofredo, antes um esposo fidelíssimo, se enrabichou por Tamires, uma colega de trabalho, vinte anos mais nova. Como era de se esperar ,não cabia tanto pequi no baião-de-dois de Isabel , quando ela descobriu que havia ingredientes estranhos na culinária, entornou, literalmente o caldo da pequizada. Como sempre, os casamentos mais equilibrados são justamente aqueles que mais se desequilibram na hora da dissolução. O pau comeu solto. Agressões se repetiram lado a lado, culminando com sopapos generalizados, telefone em orelha de Tamires, tapa no terreiro dos olhos de Godofredo, braço quebrado de Isabel.
Terminada a guerra doméstica, estavam armados os exércitos para as batalhas judiciais. No interlúdio entre os conflitos periódicos, estabeleceu-se uma guerra fria. E nem havia tantos bens a serem partilhados: uma casa, um carro, uns terrenos na periferia: só. Mas acordo mostrou-se desde o início totalmente impossível. Simplesmente porque não estava em jogo, na realidade, a questão meramente financeira. Godofredo havia ferido Isabel no seu ponto mais sensível, no seu calcanhar de Aquiles, o amor próprio, e aí não havia patrimônio nesse mundo que fosse capaz de indenizar tanto dano, nem o de Bill Gates. Advogados de lado a lado, desde o início, Godofredo e Isabel montaram sua lavanderia pública e procederam à interminável lavagem de roupa suja. De repente veio à tona aquele varejo de incongruências e deformidades de que todos os casamentos estão prenhes. Godofredo era meio brocha, Isabel tinha mal hálito superior e inferiormente e pro aí vai.
Na impossibilidade de acordo, a pendência correu para a demorada esfera judicial. Audiências, desaforos, custas judiciais e advogados dando corda pelas beiradas. O certo é que o processo tramitou por uns oito anos e, no final, praticamente já nada tinham para partilhar. Os bens , poucos, tinham sido consumidos na própria alimentação da causa. Restaram apenas o fel, o veneno destilado lado a lado que acabaram por nublar completamente a lembrança dos verdes e doces enlevos dos primeiros dias.
Recentemente um primo dileto de Godofredo, chegando da Europa,onde residia há muitos anos, não conseguiu compreender a penúria em que viviam os dois antigos pombinhos. Eles que quando casados gozavam de uma confortável situação, agora ali estavam tocando a vida com dificuldades típicas de classe média baixa. Como se explicava a tragédia?
O pai do primo europeu foi quem conseguiu didaticamente explicar o inexplicável, utilizando os recursos da fábula.
--- Meu filho, um dia dois gatos encontraram um pedaço de queijo e começaram imediatamente a brigar. Cada um se achava dono do presente encontrado. “É meu!” “É meu, eu vi primeiro!” Começaram ,então, a se engalfinhar, numa luta sem precedentes. Foi aí que apareceu o macaco e ofereceu-se para intermediar a questão. Propôs dividir o naco de queijo no meio e, cada um ficar com sua parte. Os gatos, então, aceitaram, desde que os pedaços fossem exatamente iguais. O macaco, então, salomonicamente, pegou uma balança e cortou o queijo em duas partes. Colocou-as cada uma em um dos pratos. Notou-se, então, que um dos lados era maior e que o prato descia. O macaco, tranqüilizou-os: não tem problema! Cortou um pedacinho da parte maior e comeu e voltou a pesar as duas fatias. Agora, era a outra que estava mais pesada. O macaco procedeu da mesma maneira, cortou mais um tanto e comeu e voltou a fazer a pesagem. O problema repetiu-se e, ele, prontamente cortou mais um taquinho, comeu e pesou novamente. Repetidas as ações por várias vezes, os gatos gritaram : Pode parar, já basta ! Está bom ! Notaram que os pedacinhos que restavam agora, eram bem miudinhos, o macaco comera quase tudo. O acordo foi feito rapidamente e os gatos saíram satisfeitos. Pois ,é ! Os gatos eram Godofredo e Isabel !
--- E o macaco, papai ?
--- Era o advogado, meu filho !

J. Flávio Vieira

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

As emissoras internacionais - Emerson Monteiro

Houve um tempo quando apreciei com intensidade as transmissões da radiofonia mundial em ondas curtas, reservando horas e horas noturnas para ouvir as programações em português e espanhol, elaboradas nos mais diversos países. Esse gosto veio despertado por amigos e colegas de colégio que nutriam interesses ocasionais em colecionar selos, quadros de fitas de cinema, estudar inglês e acompanhar lançamentos cinematográficos, assuntos que preencheram a minha adolescência.
Além de seguir de perto as grades de programação, também escrevia às emissoras, dando notícias das recepções e apresentando ideias e motivos talvez a serem aproveitados pelas estações de rádio.
Era uma época de extrema efervescência e movimentação das forças políticas, na primeira metade da década de 60, auge da Guerra Fria, quando, inclusive, o rádio se prestou à divulgação e propaganda ideológica dos blocos nela envolvidos. De um lado, o capitalismo internacional do Ocidente, liderado pelos Estados Unidos. Do outro, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, ponta de lança do que propunha o comunismo, já instalado também na China, desde 1949, com Mao-tsé-tung no poder; em Cuba, após a revolução de Fidel Castro, em 1959; no bloco dos países da Europa Oriental, na Coréia do Norte, como alternativa ao modelo da democracia americana para as outras nações, após a Segunda Guerra.
Recordo que, nessa fase, ouvia com assiduidade transmissões da Rádio Difusão e Televisão Francesa, Rádio Canadá, BBC de Londres, Rádio Havana, Voz da América, Rádio Holanda, Rádio Suíça Internacional, Rádio Suécia, Rádio Praga, Rádio Sofia, Rádio Cairo, Rádio Espanha Internacional, Rádio Pequim, Rádio Central de Moscou, Rádio Tirana, Rádio Vaticano, Voz da Alemanha, dentre outras, que mantinham horários para o Brasil e os demais países de língua portuguesa.
Informações fervilhavam a cruzar os céus logo que chegava a noite, das 19 às 23h, horário de melhor propagação das ondas. O meu receptor, rádio a válvulas, permanecia ligado todo tempo, enquanto promovia anotações e apurava os ouvidos, nas faixas de 16 a 49m, vezes sob chiados e ruídos intensos que dificultavam as audições.
No país, eram as notícias peneiradas pelos órgãos de segurança e que, entretanto, vazavam pelos correspondentes estrangeiros, chegando ao nosso conhecimento pelos departamentos internacionais, época de clandestinidade e repressão, anos de chumbo, quais se dizem.
Remetia cartas aos endereços dessas emissoras, que as respondiam com regularidade e juntavam às respostas publicações dos países; livros, revistas, jornais, postais, selos, broches, flâmulas e outros brindes. Cada recebimento dessas respostas era um dia de festa. Abria o envelope e examinava com cuidado seu conteúdo, estimando o valor em face da distância que percorrera. Nisso, espécie de fetichismo logo invadia a alma de mistério.
Depois, novos apegos surgiriam com a descoberta do prazer da literatura e seus variados autores brasileiros e estrangeiros. Mais adiante, os filmes de Hitchock, do Cinema Novo, os clássicos da Cristandade, os faroestes inolvidáveis, o cinema de arte europeu, além dos festivais da canção, e a MPB, reunidos às emoções dos primeiros namoros, para, assim, excluir em definitivo o pouco espaço que restara entre os estudos e aqueles solitários serões radiofônicos.

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

Sabença de caboclo - Emerson Monteiro

Talvez por pretender contrariar o princípio de que cavalo ruim se vende longe, Chico Ivo tratou de camuflar muito bem a deficiência do animal com a instala-ção mais do que perfeita de outro belo rabo no baita cavalo luzidio, untado com esmero numa mistura gosmenta de breu e cola de marceneiro, disfarce primoro-so da alisada vassoura de longos fios selecionados.
Junto ao toco, implantara a nova cauda, recolhida de outros bichos no decorrer de longos meses, cabelo a cabelo, que, de firme, mostrava-se suficiente para confundir os maiores especialistas, como deixará provado. Concedia, inclusive, ao equino ginga do tanto de esboçar ligeiras e saudosas abanadas, qual nos ve-lhos tempos de inteiro.
Bom, foi assim que resolveram desafiar o furdunço da feira de Lavras da Man-gabeira, buscando o pátio dos bichos, onde não teve mesmo quem viesse de no-tar a gauribagem. Tudo limpo no céu do meio-dia.
Interessados não custaram a aparecer com suas pretendências e propostas. E-xaminavam o cardão de cima a baixo, coleando a pelagem, friccionando o lom-bo, sempre cuidando de olhar dentes, cascos, orelhas, na mania dos espertos. Porém foram, de verdade, os ciganos que primeiro se fixaram na intenção explí-cita da compra, seguindo logo, logo, saber do preço.
Conversa vai, conversa vem; regateia daqui, regateia dali; negócio realizado. Ca-bresto na mão, dinheiro no bolso, e, satisfeitos, certos de uma boa transação, restava aos negociantes pegarem estrada e buscarem o destino da tropa nas es-tradas poeirentas do sertão.
...

Passadas se foram algumas luas, ritmo obediente das coisas naturais. A tranquila cidade mudou quase nada em meio à falta de acontecimentos marcantes.
Lá noutro dia, noutra feira de grande movimento, gente muita, muita animação comercial, difícil até de se achar quem se procura entre as tantas caras, eis com quem Chico Ivo se defronta, de imediato reconhecido... Com os mesmos ciga-nos que lhe haviam adquirido o cavalo. Vinham de longe acenando, para garan-tir o encontro casual inevitável:
- Ganjão, ganjão! Aguarde um pouco que seja.
- Não quero nem saber, - reagiu enfático o antigo proprietário do animal. - Ne-gócio feito ninguém desfaz. Fechado está, assim restará.
E quão admirado ficou da resposta que lhe veio do cigano à frente dos demais:
- Se despreocupe, ganjão. Nosso objetivo é outro. O que passou tá pra trás. Vi-emos aqui foi lhe fazer uma outra proposta, de que o senhor aceite, a partir de hoje, seguir com a gente e chefiar nosso bando.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Algumas noites da Bahia - Emerson Monteiro

Havia sempre o que agitar nas noites de Salvador, no tempo em que lá vivi e posso contar, anos da década de 70. Eram ocasiões plenas dos chamamentos de uma cidade maior e cheia das diversões e alternativas mais diversas. Visitei pessoas, lugares; assisti a espetáculos teatrais, musicais, folclóricos; percorri festas de largo, exposições artísticas, palestras, festivais de música, cursos, museus, filmes, gama de permanentes novidades inesgotáveis. Em movimentos contínuos, sobremodo aos finais de semana, jamais reclamaria de rotina ou monotonia, caso avaliasse o período, considerando, no entanto, a saudade que mexia comigo, por dentro, na ausência que sentia de minha família, dos amigos caririenses e das belezas que aqui deixara, o que marcava as lembranças, quisesse ou não. Agora isso acontece no sentido contrário, ao rever pela memória aqueles tempos de tantas presenças marcantes e alegres, súbito deixadas para trás no turbilhão das circunstâncias, ao regressar e aqui permanecer.
Enumerar os principais argumentos das histórias passadas chega como instrumento de analisar algumas delas. Uma noite, no Teatro Castro Alves, por exemplo, assisti ao Balé da China, mostra de música e dança que, de tão longe, veio ao Brasil com grupo formado por mais de 200 figurantes, festa de cores e movimentos que preservo nos arquivos das maiores emoções. Enormes figuras mitológicas chinesas e evoluções impressionantes envolveram a platéia entusiasmada, numa apresentação sem termos comparativos.
Por volta dessa mesma oportunidade, chegaria também o Balé do Senegal, que utilizou as dependências do ginásio de esportes Antônio Balbino, trazendo danças típicas africanas, executadas por centenas de homens e mulheres, em trajes, ritmos autênticos e quadros sucessivos, superlotando e sacudindo o público feliz, turnê que viajaria o mundo inteiro naquela ocasião.
Outras dessas gratas reminiscências ficam por conta de peças e shows musicais montados no Teatro Vila Velha, sempre palco de apreciados eventos, onde se encontravam os amigos e conhecidos da época, pessoas que se relacionavam através dos interesses artísticos e culturais, quando pude admirar grandes valores da nossa música popular, quais Milton Nascimento, Gal Costa, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Ivan Lins, Jorge Mautner, Gonzaguinha, dentre outros.
Visto gostar de cinema, usufrui ao máximo as chances de ver filmes raros, no Cine Clube da Bahia, no Instituto Brasil - Alemanha e no circuito comercial, comparecendo a exibições, festivais e seminários.
Então, nestas pinceladas rápidas, quis resumir a rica gama do que experimentei de um turno baiano e suas situações, o que preservo com afeto no íntimo depósito da memória, resultado de caminhadas vividas, e bem vividas, da existência.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Uma Vila qualquer

Passados tantos anos já ia ficando difícil saber o que realmente acontecera . O limo do tempo fôra recobrindo os detalhes mais importantes e a verdade se fizera fluída e escorregadia. O certo é que fragmentos da história eram narradas pelos mais velhos nas rodinhas de praça e, os mais novos, foram preparando suas as versões pessoais, nem sempre congruentes, como se montassem um quebra-cabeças. Havia porém, pontos de consenso: A Vila fôra muito próspera, encruzilhada necessária onde confluíam ( como numa foz), mascates e peregrinos, foi aos poucos formando um comércio próprio, que foi se robustecendo com o passar dos meses. Mergulhada a Vila numa terra fértil, foi aos poucos desenvolvendo uma agricultura que passou da subsistência à produção em escala quase industrial. O povo feliz, trazendo no sangue a seiva de índios, negros e brancos colonizadores , mantinha a sua cultura a ferro e fogo e a pequena Vila passou a próspera Cidade, sem nunca deixar de carregar consigo aquele doce ar provinciano. Metamorfoseara-se , geograficamente, em cidade, mas historicamente ainda era uma Vila: ganhara o conforto da metrópole, sem perder a ingenuidade e placidez de Vila. Até este ponto todas as versões terminam por desembocar. A partir daí perde-se o fio da meada, as estórias tendem a divergir sistematicamente. O certo é que a Vila ,no seu apogeu, sem causas visíveis, entrou, rapidamente, em franca decadência. Era como se tivesse sido sorvida por um buraco negro, como se houvesse caído sobre ela o Cometa que se diz Ter destruído os dinossauros.O comércio minguou, os engenhos passaram a não mais safrejar e o povo foi pouco a pouco jogando fora suas tradições e destruindo seus sítios históricos.A cidade foi , paulatinamente, se tornando vazia e oca, parecia até aquelas cidades abandonadas dos filmes de faroeste, só faltavam os rolos de feno carregados, no meio da rua, pela ventania. O povo, no entanto, montado no fausto de outrora e em meio à decadência, ia cada vez mais empinando o queixo, se tornando pábulo e contador de vantagem. Qualquer pequena obra no município era comemorada como se inaugurasse a Estátua da Liberdade.
Os motivos da hecatombe eram muitos e davam munição para discussões acaloradas em todos os logradouros. Havia um outro aspecto, porém, que era consenso entre todos: velhos e novos. A causa principal do declínio era política. Alguns, mais supersticiosos, achavam até que era "coisa botada", um caié, uma urucubaca encomendada. Por quase cinqüenta anos o município se submeteu a administrações péssimas. Sempre que se elegia um prefeito, repetia-se sempre a mesma coisa: arrodeava-se de apaniguados, indicava os familiares para os cargos mais importantes e estava montada a quadrilha. Era um não mais parar de roubar, de apropriar-se dos bens da população, coisa de fazer Ali Babá indignar-se. Acabado o mandato, o povo respirava aliviado, pensando: --- Ainda Bem ! Pior que este é impossível! O diabo é que o mal não tem fronteiras e , na sua infinitude, sempre conseguia arranjar um edil pior e mais ardiloso que o outro e aí o ciclo se fechava. É certo que numa das gestões apareceu um sujeito do bigodão , com cara mais séria que fundo de touro , cabra pontos nos ii . O diabo é que o homem morreu no meio do mandato aí.... O Vice, sedento, faminto, Assumiu! Este ponto era, inclusive, o que mais alimentava as especulações dos supersticiosos , que achavam que alguém tinha costurado a boca de um sapo e enterrado na prefeitura da cidade.
Dias desses, em meio à Festa da Padroeira, os maior fofoqueiro da Cidade, Zé Gallup, resolveu fazer uma enquete. Saiu , travestido de pesquisador do Ibope, fazendo a seguinte pergunta: --"Qual o melhor Prefeito desta cidade nos últimos cinqüenta anos ? Depois da consolidação dos dados, Zé Gallup, reuniu , na praça, os amplificadores de boatos da cidade e divulgou o vencedor. O resultado não podia ser mais surpreendente:
--- Zuca Mingau!!
Antes que todos protestassem, já que Zuca, era um simples gari, um dorme-sujo que jamais sequer sonhou em ser nem vereador; Gallup , com a seriedade dos pesquisadores renomados, explicou:
--- O resultado tá certo cambada! Vocês lembram que o penúltimo prefeito desta porcaria, não tendo conseguido eleger seu sucessor, ficou com raiva e não quis passar o cargo ao inimigo político eleito? Entregou, então, as chaves do paço municipal a Zuca Mingau, que tava capotado ali por perto, numa ressaca danada. Pois bem, Zuca ficou ali esperando o novo prefeito, para entregar as chaves. Foi então(queira-se ou não!) Prefeito por duas horas. Ele, na sua curtíssima administração, varreu o pátio da Prefeitura, limpou as escadarias, não roubou nada e nem deixou que ninguém roubasse, embora estivesse de posse das chaves e , também, não chamou os filhos e a mulher para chafurdar o paço. Pois bem, nas duas horas apenas que passou como Prefeito, Zuca Mingau, foi o melhor administrador desta cidade, nos últimos 50 Anos!

J. Flávio Vieira

Luis e o Encantado Cariri - José do Vale Pinheiro Feitosa

Luis procura o encantado. Aquilo que atrai e deslumbra por suas belezas. Mas isso é pouco. Ele não apenas busca o encantado, tenta achá-lo num tempo e num espaço. Isso porque o Luis tem forte atração pelas qualidades das coisas do território e do tempo que gestou tais coisas. Ele sabe que na raiz desse gerador de coisas há uma mágica, um feitiço indígena que revela na mediocridade desta pequena burguesia urbana um simultâneo do aqui e agora com um sempre já acontecido.

E estou a falar do encantado Luis Carlos Salatiel, que nem lembro se escrito com z (tenho preguiça e ir procurar na internet), mas tem uma mágica de admirar-se deste cotidiano entre a modorra que parece parar o tempo e o agito que destrói coisas belas. Quando pensamos numa estética e no fazer cultural, tendemos a achar as modas que salientam momentos. Esquecemos desta anarquia simultânea, que tonteia a mente vulgarizada em drops de realidade.

O encantado do Luiz Carlos é a estética mais longeva do que foi, por exemplo, certas expressões culturais dos anos 70, que para a geração dele explodiu sobre um rock que juntava o pop com algumas expressões das feiras nordestinas. Pena que o Cariri não tinha uma capital para fazer-lhes o que fez, por exemplo, com a geração de Zé Ramalho na Paraíba.

Pegue um Zé Nilton, com suas canções que lembram Chico e sintam o quanto do encantamento do Cariri há nelas. Os irmãos Abidoral e as canções que não se inscrevem mais no bucólico estilizado dos grandes centros urbanos, pois refletem o dia-a-dia do Cariri. Eles não são um Humberto Teixeira, nas sua cátedra carioca a fazer belos versos de um afastado sertão. A geração de Luiz (é com z?) não se afastou, ficou e quem quiser futura que se abebere nela.

Outro dia, o bom Maurício Tavares lembrou certa estagnação cultural, inclusive de consumidores de cultura. Acho que o Luis (é com z?), o Zé Nilton que anda um tanto saudoso da velha guarda e tantos outros, apesar do aburguesamento de uma vida ordeira e familiar, ainda continuam com a mágica da região. Ela é algo como fez no Cinema Novo o Glauber, mesmo com seus exageros autorais e o saco das novas gerações com aquela estética.

É o encantado cariri. O Cariri Encantado. Esta é a estética de descobrir um mundo que parece nunca mudar e, no entanto, muda numa velocidade quase absoluta. Uma mudança que muitos acham que parece com aquela de Lampedusa no seu Leopardo, para tudo ficar o mesmo. Não é esse o que o Luis encontra. No encantado cariri. Tem mudança com um mistério de feitiço indígena.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O gosto de escrever - Emerson Monteiro

À medida que os hábitos passam a integrar a personalidade, eles se revertem numa segunda natureza, agindo por conta própria, arrastando consigo os impulsos e as disposições pessoais. Isto quanto aos maus ou bons hábitos. Daí quanto difícil largar um vício de qualquer naipe. O aprendizado adota, por isso, tal mecanismo de automação da vontade, nas profissões, nos processos de administração das circunstâncias, ou nas inúmeras e complexas atividades que formam os dias das criaturas humanas. Escrever também pode bem representar desses mecanismos, na prática das rotinas, que as transformam numa segunda natureza.
Por mais frequente a ocupação, e na medida em que cresçam as facilidades nela desenvolvidas, o subconsciente age no segundo plano da atenção, propiciando resultados surpreendentes de aprimorar o método escolhido. Dirigir automóvel, pilotar aeronave, praticar esporte, pedalar, cantar, trabalhar, ler, estudar, escrever, além dos milhares de outros exercícios físicos e mentais, alimentam e planificam os costumes da alma humana, identificando-a no que lhe cabe desenvolver. O que antes parecia sacrifício e exigia dedicação, reverte num prazer sem conta ou tamanho.
A força, por isso, aplicada para desenvolver o hábito traz satisfação até então desconhecida por quem desconhece as reações do organismo, em termos de realização particular.
A título de comparação, faz anos que eu avisto, na estrada do Grangeiro, em Crato, o professor Alberto Teles praticar corrida, dias constantes. Às vezes, sob sol intenso; às vezes, debaixo de chuva. Sozinho, suado, nu da cintura para cima, pés descalços, concentra-se na atividade qual fosse pela primeira vez. Um atleta modelo, toca adiante hábitos esportivos reunidos no tempo em que serviu às forças armadas, na Marinha do Brasil. Depois, ensinou educação física nos colégios cratenses. Para mantê-se em forma, corre alguns quilômetros, todo santo dia, exemplo dos que atendem à evolução do corpo físico, no disciplinamento dos hábitos salutares que adquiriu.
Para mim, escrever condiciona as práticas de frases e períodos na busca do sentido, e preserva a memória da leitura e da existência, coisas que gosto de realizar. Algo que arrasta ao exercício físico ou mental, alimento das alegrias interiores, desejos de levar aos outros a disposição das idéias construtivas e as lembranças mais queridas da minha história pessoal.
Conquanto positivos hábitos, que os vivamos nós. Porém, na adversidade dos chamados vícios, que os substitua, pelo esforço reverso, no contrário da força do hábito, e descubra ocupações benfazejas, a fim de preencher o ranço dos inquilinos antigos com sabores novos e agradáveis.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Equilíbrio ecológico - Emerson Monteiro

Durante bom tempo me imaginei conhecendo a Floresta Amazônia, o que povoava os meus sonhos brasileiros desde que me entendo de gente, do início dos primeiros estudos, digamos assim. Lá um dia, há pouco mais de cinco anos, veio essa oportunidade. De malas e cuias, segui ao lado de alguns companheiros de pesquisa, rumo à hiléia brasileira, percurso de dois dias, com intervalo para dormir já em Araguaína, no estado de Tocantins, após cruzarmos o Piauí e o Maranhão. Na bela cidade maranhense de Carolina, dos tempos do Império, atravessáramos as águas caudalosas do Rio Tocantins, largo e volumoso, o mais largo dos até agora que conheço.
No dia seguinte, logo cedo, passado o Araguaia, chegamos às terras do Pará, estabelecendo-nos em uma fazenda às margens do rio por dez longos dias, para conhecer o ecossistema amazônico, orgulho da raça, com isso presenciando diversos momentos da floresta e da ação do homem no que respeita à sua devastação.
Vimos de perto a agressão indiscriminada que caracteriza o sistema de posse do modelo desenvolvido para estabelecimento da criação extensiva do gado bovino. Movidos no afã de tornar produtiva a área, visando o criatório da raça nelore, centenas e centenas de estabelecimentos em dimensões a perder de vista, empresários do País inteiro, fixam bases em regiões planas e chuvosas, eliminando a constituição florestal primitiva através da força de tratores e queimadas, no sentido de plantar capim e construir currais. Vastidões lunares do reino vegetal somem em pouco tempo, deixando espaço aos tapetes de pastos, administradas pelos peões vindos de fora. Nisso trabalham sob os olhos oficiais das normas, assistidos de órgãos competentes do País. Produzem a carne que alimentarão largas faixas de consumidores do mundo inteiro, a peso de ouro. São manadas e manadas de reses criadas em trechos próprios para manejos, a remoer silenciosas das pastagens em uso.
Vimos de um tudo no que tange aos estragos impostos ao patrimônio das matas nativas. Tiradas as árvores maiores, madeira de lei e custo inestimável em termos da natureza primária dos séculos que lhes deu vida, o que resta em pouco tempo calcina mediante a ação do fogo, revirado a correntes vigorosas arrastadas por tratores descomunais. O quadro corta corações. Onde antes só havia o verde frondoso do mistério milenar e escuro, altivo caules esfacelados dão conta de troncos enegrecidos, parecidos aos vestígios das lindas bocas tornadas em dentes cariados e feios, eliminados ao furor das chamas. Aconselho não aos que nunca visitaram o paraíso amazônico a conhecê-lo nesses pontos entristecidos pela façanha dos matadores de floresta.
Idênticas práticas avistamos, também, no Tocantins e no Maranhão, estados vocacionados à implantação das fazendas de soja, moda e febre continuada que sacode os planaltos do Norte por meio da agroindústria e maravilha os resultados positivos das balanças do Brasil no exterior.
Quando ouço, pois, as declarações anuais dos funcionários de governo que contiveram a devastação amazônica em tanto e tanto por cento, desconsolado sacudo a cabeça por saber de perto que o gigante é maior muitas vezes do que contavam as distantes lendas trazidas no vento.

Uma dor do tamanho da Piriquara - José do Vale Pinheiro Feitosa

Um dos espaços mais belos do litoral noroeste do Ceará é aquele da Planície que forma a Ponta da Piriquara. Um corpo alongado, raso, em que se tornam mais formosas as Dunas brancas e os coqueirais adensando como matas primitivas.

Na planície pastam vacas e os jumentos em bandos que não retornaram ao estado selvagem, mas donos já não existem a reclamar-lhes trabalho. Anus brancos e pretos, carcarás, bem-te-vis, algum gavião e urubus planando.

Um vento planetário sem igual acelera o formato plano da região. Alguns reservatórios de águas das chuvas entremeados no relevo através da cianinha de touceiras de guajiru, muricis, cajus e coqueiros.

Na Piriquara a juventude despreocupada, da Europa e outros continentes, escolheu para aproveitamento veloz dos ventos em prática de Kite Surf. Ali as ondas podem formar tubos, não como o Havai, mas tubos do mesmo modo.

Uma noite de lua cheia na vastidão e solidão da Piriquara é o último refúgio do mundo tal qual ele inventou este que aqui digita. As luas cheias nascem mais anchas e sua circunavegação tem um hemisfério de mais brilho que ilumina o alvo da existência.

A silhueta do mundo da Piriquara no plenilúnio é como uma imanescência de um mistério além dos conceitos utilitaristas com os quais identificamos as coisas. Identificamos o coqueiro pela água e a polpa, o murici com o picolé e o jumento mesmo quando uma carga de simbolismo cristão.

Luminescência que diz eternidade quando o cotidiano apenas soletra mortalidade. A Piriquara com o sol mesmo que estourando as cores e a luz ainda revela um momento que traduz a realidade muito além deste pragmatismo pequeno burguês que teima com despensa entulhada.

Se poeta fosse cantaria laudas infandas à Piriquara. Faria Confissões como um Agostinho, em busca da unidade que contém tudo que existe entre os céus e o mundo e mesmo além destes mesmos. A unidade que compreende o conteúdo universal e que vai muito além do incompreensível e escapa de qualquer tentativa de dar-lhe um continente limitante.

Pois acordei. O Governador Cid Gomes assinou um decreto para total transformação da Piriquara: um conjunto de prédios para 2014 abrigar a Copa do Mundo, estruturas para treinamento da seleção Espanhola, campos de futebol, escolinhas de futebol e depois dois hotéis, um conjunto de edifícios residenciais, shoppings, campos de golfe. Uma nova cidade no artifício do estilo ocidental.

Meu coração sangra por uma dor em vão. Que parece dor de alguém abastado, dado e posto que ama esta planície como intocada do velho estilo de viver. Uma dor que esperava este parto arrasador, o resultado desta prenhez de um monstro chamado progresso.

Uma dor solitária. Isolada, mágoa intensa, mas sem par. Pronta apenas para manter o monocórdio tom de cantochão de uma missa de sétimo dia. O corpo da resistência já foi enterrado. Na parede de um açougue de Paracuru existe um cartaz com um salmo que pede diariamente por mais empresas, pois empregos faltam. Faltam empregos que vindos darão rendas aos que estão e atrairão milhares que igualmente desempregados ficarão.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Ambições de conhecer o futuro - Emerson Monteiro

Essa vontade humana de dominar a natureza envolve desejos antigos de saber o que vem acontecer no futuro das gerações. O motivo da disposição incontida desde tempos imemoriais finca raízes nos planos de dominar a vida e tudo o que diz respeito ao mundo e as coisas em volta, na política, na fortuna, no tempo. Sobretudo dominar os outros e a sociedade. Em resumo, reter nas mãos o destino e a riqueza, pretensão do tamanho do Universo. Um sonho bem avassalador, a sede insaciável do poder.
Essa tal vontade de domínio mostra evidências constantes nas profecias existentes e documentadas no decorrer da história, no âmbito das religiões e dos livros sagrados.
Filmes e pronunciamentos sempre trazem novidade quanto a isso. Agora mais recente, por exemplo, na película 2012, um sucesso de bilheteria, há referências ao que os Maias, civilização desaparecida na América Central, deixaram quanto a grandes mudanças que sofrerá a Terra nesse ano vindouro do calendário moderno.
Mas o que interessa mesmo, em termos práticos, chega mais longe, ao domínio do que pode permitir o conhecimento, até depois das muitas profecias ora existentes, numa lembrança forte das palavras de Jesus nos Evangelhos, a dizer: Sóis Deuses e não o sabeis, fazendo paralelo nas condições prósperas, contudo ainda que para eles mesmos realizarem, amarrando o burro nas orelhas dos donos.
Quanta maravilha transporta em si a existência, na assertiva cristã de guardar na alma a essência da herança divina, porém sob o desafio de ter antes de aprender a sabedoria, desenvolver esse modo particular de achar o caminho da luz e se libertar para as outras dimensões da evolução.
Isto demonstra o tanto de responsabilidade na revelação pessoal através da caminhada do aprendizado, conquanto artífice da própria transformação. Longe de apenas se acomodar naquilo que receber, sem estudo e trabalho, só à toa pela vida, ninguém merecerá o Reino de Deus que o Mestre divino aqui veio repartir conosco. A mensagem que revela e enfatiza com tamanha seriedade a isto deu sua própria vida em demonstração desta Verdade.
Portanto, ao desejar a existência cômoda e perene da Eternidade, nós, humanos falíveis, reuniremos os laços do conhecimento a fim de achar a dominação do futuro, livres e sós dos apegos e das posses deste chão que, veloz, passa sob os nossos pés.
Profecia maior não existirá além deste conhecer individual das normas do sentimento, porta aberta do Amor autêntico de Deus, o que nos promoverá ao nível das vontades e dos prazeres permanentes. Descobrirás a Verdade e ela vos libertará, portanto.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Festa em benefício da família de Batista foi plena de êxito

Sucesso. Esta é a palavra mais certa para definir a realização do show-baile beneficente em prol da família do músico Batista, acontecido neste último sábado (12), no Crato Tênis Clube.

Cerca de 300 pessoas atenderam ao chamado feito pelos organizadores do evento e participaram de uma animada festa que só terminou às três da manhã. O cerimonial foi comandado por Luiz Carlos Salatiel, coordenador das Officinas de Cultura e Artes & Produtos Derivados – OCA, promotora do evento, apresentando os artistas que foram solidários à causa.

Revezaram-se no palco o grupo Cantingá, Aécio Ramos, João do Crato, Franciné Ulisses, Abidoral Jamacaru, Lifanco, Álvaro Holanda, Rafael do Acordeon, Salete Libório, Salatiel, Raul Lampiseixas, Francisco Saraiva e André Saraiva, dentre outros.

Várias autoridades da região, e até do estado, também marcaram presença, com destaque para o deputado estadual, Sineval Roque; o diretor do Incra-CE, Amadeu de Freitas; a articuladora regional do Sebrae, Tânia Porto; a vice-reitora da Urca, Otonite Cortez, e as pró-reitoras Cileide Araújo e Carminha; a diretora-superintendente da Fundetec, Meiriane Aragão; o presidente da Câmara de Vereadores do Crato, Florival Coriolano, e os vereadores Ailton Esmeraldo e Mara Guedes; o vice-presidente do Instituto Cultural do Cariri, Armando Lopes Rafael; o ex-governador do Distrito 4490, Gamaliel Noronha, e os presidentes do Rotary Clube do Crato, João Batista da Silva, e do Rotary Crato Centro, Zilnelli; a coordenadora do Escritório da Ematerce-Crato, Alcileide; o presidente do Sindicato dos Comerciários do Crato, Antonio Cardoso; o presidente do Crato Tênis Clube, Danja, e muitas outras.

O evento, iniciativa de colegas de Batista da URCA e amigos em geral, contou com o apoio da Universidade Regional do Cariri –URCA, Crato Tênis Clube, Francy Cópias, Rádio Educadora do Cariri, Farmácias Gentil, Mairton e OK Produções, Doce Festa Buffet e revista virtual CaririCult.

Em nome da família de Batista, agradecemos de coração a solidariedade de todos.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

A ciência do próximo passo - Emerson Monteiro

Às vezes acontece parar o barco, isso na firme intenção de acertar e vencer os pensamentos da dúvida em relação ao que cabe fazer nas ações imediatas do percurso. Nessas horas, torna-se necessário saber agir e preencher o momento seguinte, independente de poder distinguir o duvidoso e o certo, sob as névoas das situações. Mas não existe a alternativa de não querer prosseguir, ir em frente. É a tal síndrome do próximo passo que quem vive atravessa a todo segundo, chova, ou faça sol, porquanto viver significa persistir na marcha.
Bem aqui, pois, entram no campo as lições dos que estudaram este assunto de seguir, de dominar as condições, dentro dessa linha inevitável dos caminhos constantes, onde agir representa quebrar os selos da porta do tempo, lacrada antes de nelas chegarmos. O direito universal de avançar, contudo, impõe leis para um desempenho satisfatório, quais sejam elas: evitar destruir as possibilidades dos outros, praticar conhecimentos adquiridos e confiar ao desconhecido nossas apreensões. No entanto, numa espécie de compensação, se deve saber colher o que plantou, no campo das práticas desenvolvidas no combate. Natural usar da justiça, porquanto a natureza ensina querer a si aquilo que oferecer aos demais, norma elementar do justo merecimento.
À medida que descobre os segredos da sabedoria, neste mundo perigoso, se anda nas estradas com a produção de resultados positivos. O valor que denominam cultura quer dizer tradição do conhecimento, guardada para posteriores experiências em forma de trabalho e técnicas.
O passo seguinte nada mais impõe do que praticar os modelos ensinados pelos outros e adquiridos por nós próprios durante as nossas ações. Parar, silenciar um pouco e tomar decisões exigem concentração, reflexão e atitudes verdadeiras.
Escolher o jeito ideal só no decorrer das jornadas se aprende e transmite, na ciência de caminhar pela vida afora. Tantos, milhões até, acertam e empreendem iniciativas de proveito, o que também todos podem cumprir de igual maneira. Resta somar tristezas, alegrias, fracassos e sucessos, para montar a solução dos enigmas e das ocasiões. Neste procedimento, reunir coragem e disposição de trabalhar, outra das leis essenciais ao bom êxito dos planos de voo. Acrescentar boa vontade, amizade, humor, convicção, prazer, iniciativa, emoção; descortinar o tempero dos pratos deliciosos que, por isso e bem preparados, reservam as estações dadivosas das existências mais felizes.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Corrupios

O Rio Paranaporã serpenteava toda encosta da Serra da Jurumenha e cortava Matozinho em duas fatias. Nas margens de suas águas algo salobras é que, historicamente, organizou-se o pequeno povoado que terminou em vila. O Paranaporã passava a maior parte do ano seco como língua de papagaio e os matozenses iam cavando poços no seu leito, no verão, buscando , desesperadamente algum veio de água.Com o crescimento inexorável da vila, as margens do rio foram pouco a pouco sendo ocupadas por casebres e o leito passou a ser o esgoto natural da vila. O antigo rio bonito , como os indígenas o tinham batizado, já não merecia esse nome. Na época do inverno, quando suas águas se encrespavam, o rio procedia a uma faxina rigorosa no leito, limpando toda a sujeira que lhe tinham impingido durante o ano e a beleza de outrora florescia por alguns meses.Esta alegria durava no máximo uns cem dias, logo depois, no entanto, vinha a estiagem demorada e o rio, novamente, se transformava em fossa séptica.
Aquele ano, tinha sido de todo atípico. Os matozenses comentavam frequentemente que na época do dilúvio, em Matozinho ficou apenas nublado. Ali , chuva era coisa rara de se ver , tinha peixe com três anos de idade que ainda não sabia nadar. Pois bem, aquele janeiro mostrou-se inesquecível. De repente, sem que profeta nenhum tivesse previsto, as nuvens abriram as comportas e , durante cinco dias, desabou uma chuva sobre a região, com raio e trovão de estralo. No segundo dia, o Paranaporã já corria fora do leito e, nos outros que se seguiram, desenhou-se uma tragédia jamais vista. Casas boiando, comércio encharcado, praças sobrenadando. Até a Igreja da Milagrosa Santa Genoveva ficou com água quase na torre. Pelo sim, pelo não, os matozenses salvaram a imagem da Santa, antes que o mar de água resolvesse ir rezar na capela: podia ser que com toda milagridade ela não soubesse nadar. Acalmadas as nuvens, os matozenses começaram a computar os prejuízos . Não morrera ninguém, mas restara pouco da vila. O povo, no entanto, tinha treinamento em sobrevivência na selva e PhD em miséria e seus congêneres, impavidamente, iniciou a reconstrução daquilo que um dia havia sido Matozinho.
De pronto os políticos aproveitaram a enchente para preparar o próximo saque: o eleitoral. O prefeito Sindé Bandalheira reuniu a Câmara e juntos solicitaram ajuda ao governo do estado. O governador prometeu mundos e fundos e, como se comentava à sorelfa que o homem era pouco viril, os matozenses sarcasticamente diziam que ele só havia dado a segunda parte da promessa. Se verba apareceu, o certo é que ficou parada no meio do caminho, não teve força nas canelas para chegar nas mãos do povo.
Na década seguinte, o problema repetiu-se por mais algumas vezes. Não na mesma intensidade, é certo. Mas isso foi o suficiente para os matozenses concluírem que aquilo não era apenas implicância de São Pedro mas, talvez, uma revolta da natureza ferida. Perceberam que a tendência seria uma certa regularidade na tragédia. Tanto se contorceram que, finalmente, um deputado conseguiu, junto ao governo federal, um projeto para construção de uma represa na encosta da Serra da Jurumenha que teria a finalidade de esbarrar as águas e, assim, resolver, por definitivo, a questão das enchentes periódicas. A Barragem do Corrupio foi construída, próximo ao açude do Sabugo, há uns cinco quilômetros de Matozinho. A partir daí, a cidade passou a dormir mais tranqüila.
Gato escaldado tem medo de água fria. No ano seguinte à construção da barragem, as chuvas foram, novamente abundantes. O rio, no entanto, represado, manteve-se pacato. Um outro fantasma, agora, começou a assombrar a vila. E se as chuvas fossem intensas demais e a barragem pipocasse? Aí desceria, de repente, um mundão de enchente, serra abaixo e, possivelmente, não escaparia viva alma. As apreensões da população chegaram no ouvido do prefeito e este, preocupado, designou um vigia para a barragem. Tratava-se de Filismino do Sabugo que morava nas cercanias da represa. Sindé Bandalheira o contratou para pastorear a barragem e, em havendo qualquer risco, entregou-lhe uma dúzia de fogos para ele soltar imediatamente. Aquilo serviria de alerta e, mediante o fogaréu nos ares, o povo teria tempo de capar o gato.
Os matozenses ficaram mais tranqüilos. As providências pareciam perfeitas e tudo teria saído a contento, não fossem alguns efeitos colaterais do remédio administrado. Pois não é que naquela sexta-feira, tardezinha, caiu uma chuva forte em Matozinho. O povo ficou de olho no Paranaporã, mas esse não dava sinais maiores de alerta. A chuva continuou, preocupantemente, com o cair da noite, mesmo assim os matozenses se recolheram a suas camas, com um certa tranqüilidade. Eram umas onze horas da noite, quando o alarme de Filismino soou: vários fogos estouraram no céu, lá para as bandas do Corrupio. Foi o estouro da boiada.
Os matozenses danaram-se a correr mato adentro, procurando subir as encostas que se encontravam mais distantes da barragem. Mãe esquecia filho, marido não se lembrava de mulher. De manhã, Pedro Perneta, que andava em cadeira de roda e pedia esmola nas calçadas, foi encontrado no olho de um coqueiro: não me perguntem como tinha chegado lá. Cego recobrou a visão na noite do dilúvio e desabou estrada abaixo. Sueldo Jogó que se recuperava de duas fraturas nas pernas, ainda engessadas, causadas pela queda de cima de um burro, foi um dos primeiros a chegar em Bertioga, correndo e sem muletas.
Quando o dia amanheceu o povo se deu conta de que a tragédia alarmada não tinha acontecido. Só depois, arrochando o velho Filismino, souberam que ele não tinha detonado o alarme. A confusão tinha acontecido por conta de uma renovação que acontecia ali no Sabugo, na casa de Juvenal Fogueteiro. Ele tinha soltado a dúzia de fogos para pagar uma promessa .
A partir daí, a dificuldade foi juntar os fujões. Nunca mais Matozinho teve a mesma população. Passados uns dez dias da ameaça de tragédia, chegou no Correio um telegrama de Sindé Bandalheira, postado no Japão:

“Informem se águas já baixaram PT
Arigatô!
Sindé”


J. Flávio Vieira

AMANHÃ: SHOW-BAILE EM SOLIDARIEDADE AO MÚSICO BATISTA

Com Batista e Banda
Participação de artistas convidados

DIA 12 DE FEVEREIRO (SÁBADO), A partir das 20 horas
Local: Crato Tênis Clube

Promoção: Professores e funcionários da URCA, e artistas amigos de Batista

Venda antecipada de ingresso na Farmácia Gentil (Rua Senador Pompeu)
Preço: R$ 10,00

Obs.: A renda do evento será destinada à família do músico Batista, que perdeu todos os bens materiais e encontra-se desabrigada devido à enchente que penalizou a cidade do Crato no último dia 28 de janeiro.

Desde já, agradecemos o apoio de todos.

Os organizadores

Há uma fome pelo ar - Emerson Monteiro


Há, sim, uma fome de coerência, que circula as cabeças das pessoas em voos insistentes, algo parecido com zumbidos de muriçocas aborrecidas nas noites de calor pegajoso e insônia agressiva. Uma fome de honestidade, que penetra a condição social desses períodos neutros, quando a história funciona aos moldes do faz-de-conta, apenas para justificar o melhor dos mundos possíveis. Uma fome que reclama práticas dignas de políticas públicas, representatividades justas e transparência no funcionamento das engrenagens e dos comandos. Há, sim, uma fome de autenticidade nas criações artísticas, na música, do trato da beleza dos entretenimentos em geral. Nas oportunidades de trabalho aos pais de família, independente de propagandas e números oficiais. Da paz comum, onde todos respeitem os direitos uns dos outros. Uma fome de evolução da espécie humana, em que haja menos motivos de agressividade e desespero. Um ânimo de satisfação pessoal independente de tirar o que é dos outros e olhar mais dentro de si próprio, para notar o quanto de potencial cada indivíduo possui, no crescimento das mentalidades.
Em que um ser humano acredite na palavra do outro ser humano, sem avaliar os riscos dessa atitude, sem esperar surpresas desagradáveis ou agendas secretas, livre dos medos adicionais desses tempos escuros. Em que a velocidade dos carros corresponda às voltas para casa com segurança e tranquilidade. Uma fome de paz nas ruas e nos corações das gentes, cientes de que a justiça coletiva preenche os requisitos necessários dos valores básicos a se viver com êxito e harmonia. Inovações de transformações salutares que saiam do papel e cheguem aos lares da esperança e da felicidade, quando aconteça o domínio dos baixos instintos e deságuem nos bons sentimentos. Novas modificações que guardem sentido em termos proporcionais ao direito mínimo das condições de sobrevivência, vencidas para sempre os conflitos das guerras de classes e privilégios de grupos.
Uma fome do tamanho das manhãs que logo viram tardes e noites, repetida nas manhãs seguintes, qual condenação de um Prometeu acorrentado, a empurrar pedra imensa na ladeira do destino, que depois recomeçará do início, faina constante e infinita. Essa fome das eras proporcionais ao desejo da perfeição nos padrões da cidadania, quando o sonho seja do irmão amar o irmão, fora das questões insignificantes do passado e das coisas que passam. Fome de saúde nos leitos dos hospitais, nos manicômios e penitenciárias. De épocas e circunstâncias que chegam à imaginação, porém ainda não chegaram à realidade que demonstra força em relação à teimosia dos confrontos. Quando a fé dominará as contradições e os tantos setores das circunstâncias, que signifique possibilidades em termos de realização pessoal através dos talentos e das vocações. Onde tudo de bom estabeleça suas bases definitivas no seio de nossa humanidade. Há, sim, essa fome pelo ar, clamor enorme dos dias e das aspirações de uma raça que padece, mas que já visualiza espaço amplo nos estreitos limites dessa fome que lhe corrói as entranhas à procura da Luz da liberação.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Show Baile SOS BATISTA

Acontecerá no próximo dia 12 de fevereiro, sábado, a partir das 20 horas, no salão nobre do Crato Tênis Clube, o Baile Show Beneficente SOS BATISTA - uma iniciativa de compnheiros da URCA e amigos do músico com o apoio do Crato Tênis Clube, Universidade Regional do Cariri -URCA, Francy Cópias, Rádio Educadora do Cariri, Farmácias Gentil, Mairton e OK Produções e revista virtual CaririCult. A produção é da OCA (Officinas de Cultura e Artes & Produtos Derivados).

O Baile é dançante com a banda do Batista e a participação de muitos artistas para apresentações avulsas que abrilhantarão a festa e manifestarão através da arte a sua solidariedade ao artista. Todo o "apurado" será doado ao Batista que, no momento, precisa recuperar as perdas materiais provocadas pelo “dilúvio” experimentado pelo Cariri nos últimos dias do mês de janeiro.

O ingresso, com venda antecipada na Farmácia Gentil da rua Senador Pompeu (esquina com a agência do Banco do Brasil de Crato) custa R$ 10,00.

DIVULGUEM E/OU MANIFESTEM AQUI O SEU DESEJO DE PARTICIPAR DO EVENTO!

Luiz Carlos Salatiel

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ilusões de um cachorro - Emerson Monteiro

Indagado qual a razão de o cachorro ser o melhor amigo do homem, com propriedade um sábio respondeu: - Porque ainda não conhece o dinheiro. Ah! Os bens materiais, quantas cogitações equivocadas podem ocasionar no bloco das vaidades humanas. Tal vê, também, os comportamentos animais, acho que nas fases de preparação de outras vivências da natureza. Sei não, pois há tantos mistérios a desvendar, da terra ao céu, que causa ânsias e vertigem.
O cachorro da minha casa, por exemplo, este apresenta manias bem típicas dos bichos da espécie, com o agravante das arrogâncias dos cachorros de raça, valentões, pretensiosos, dos que olham de cima as pessoas. Sempre que abro a porta para sair na varanda, ali está ele, o verdadeiro dono do pedaço. A segunda coisa que faz depois de balançar o toco do rabo, trazido assim mutilado, segundo explicaram, para manter o padrão da raça, a segunda coisa, mostrar a língua e lamber o focinho, tomando gosto, qual abríssemos a porta toda vez só para lhe levar alimento.
Acha-se o dono absoluto de toda a extensão territorial da casa e do muro que a cerca. Mija por todo canto, costume estudado pelos especialistas caninos que adotam para demarcar o espaço das suas pertenças. Nesse ponto, mora o título deste comentário, o motivo das ilusões dos cachorros, por pensarem possuir o mundo inteiro onde mijam descaradamente. Caso consiga escapar até a rua, sai mijando tudo que aparece à frente, semelhante ao que providencia cada vez que chego com o carro, renovando mijadas nos pneus, parachoques, lataria, reforçando o instinto que alimenta de proprietário exclusivo do transporte que adquirimos com relativa dificuldade. Ele nem de longe imagina o que de antipatia isso acarreta no dono, essa pretensão de garantir só para si um direito que corresponde à família inteira.
Os passarinhos que pastam pelas imediações em volta da casa, a seu modo, sofrem na pele essa inclinação possessiva do cão alienado em constante vigilância. Corre e late desesperado quando sanhaços, sabiás, anuns, garrinchas, griguilins, pardais, vinvins, lavandeiras, aventuram catar insetos e sementes no chão. Vez em quando aparece pássaro morto na varanda, prática parecida com a dos humanos, únicos animais que matam e abandonam a vítima. Os outros assassinam apenas no propósito da sobrevivência.
As ilusões do cachorro chegam ao domínio de causar mais constrangimento aos seus donos. Caso saia a telefonar na varanda, quem aparece, ele, atento na escuta de toda a conversar, quebrando qualquer sigilo, semelhante aos agentes secretos deste mundo. Até hoje, porém, não descobrir de como se beneficia da escuta privilegiada.
Sua agressividade patrimonial, no entanto, restringe as visitas que de raro recebemos, seleção prévia que ele mesmo estabelece. Resultado, alguém bate no portão e eu corro apressado a prender dito chefe provincial, o que deixa a impressão do tanto de analogia dos bichos com os humanos, tão cheios de ilusões de honras e posses, durante a curta jornada desta vida, surpreendidos, inevitáveis, nas folhas que, secas, voam dos calendários.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

O pilão lavrou


O velho Frazão,lá do Belmonte, observou espantado o pilão( o pluviômetro do matuto) transbordando no terreiro, de manhãzinha e concluiu: “ --A chuva foi de lascar, dessas de fazer Noé se benzer em cruz!” Sensação não muito diferente teve o seu Neco Moreno ali nas proximidades do Palmeiral, fitando o estrondo da água rio abaixo: --A chuva foi de fazer cururu gritar “Maria Valei-me!” em cabeça de estaca. O certo é que , sexta-feira passada, boa parte dos cratenses teve a clara certeza de que a Pedra da Batateira tinha, por fim, explodido. As ruas viraram córregos, as casas lagos, o comércio cratense passou a ser submarino. Até os defuntos, no cemitério local, despertaram do descanso eterno, e alguns saíram surfando no topo da onda. Enquanto isso, os cratenses meio abismados, computavam as perdas e os rastros da destruição. Enquanto alguns outros, insensíveis à tragédia, saqueavam casas e lojas com o mesmo apetite dos corvos e urubus.
O que havia despertado tanta fúria no sempre cordato e quietinho rio Grangeiro? Ele que, aparentemente, agüentara sempre resignado a invasão seguida das suas margens; a opressão do seu leito por canais ; a transformação das suas águas translúcidas num esgoto pútrido; o desmatamento criminoso da sua mata ciliar. O que havia despertado a fúria do gigante há tanto tempo adormecido?
Como dizia Brecht : “Criticamos a Violência do Rio e esquecemos a violência das margens que o oprimem”. Aos poucos, à medida que as águas foram baixando, a população começou a digerir a hecatombe. Alguns puseram a culpa em fenômenos naturais episódicos; outros no aquecimento global ; alguns viram até a mão de Deus amparando os cratenses em meio à enxurrada. Como se uma força superior, brincando de fazer tragediazinha, preparasse a calamidade e, depois, se pusesse a proteger os munícipes, meio arrependida. Esta semana, a prefeitura de Crato apresentou a primeira avaliação do prejuízo público, na brincadeirinha celeste, excluídas, claro, as enormes perdas particulares : quase 90 milhões. Quem paga o pato ?
Antes de quebrar os porquinhos e reiniciar a reconstrução é bom pensar nas causas da calamidade que era previsível e anunciada. Anos e anos de impermeabilização do solo por asfaltos, loteamentos sem autorização, desmatamento nas nascentes, ocupação desordenada nas encostas apenas montavam o cenário para a tragédia que seria encenada e mais : em muitos e muitos atos. O Canal do rio já se fazia uma agressão à natureza nos anos 50 quando não existiam bairros populosos como o Pimenta, o Sossego, o Grangeiro, o Lameiro. Desde então a cidade explodiu populacionalmente, na mesma velocidade com que destruía seus recursos naturais da encosta da serra em nome do progresso. Agora que pensamos em começar os reparos é preciso, mais que nunca, discutir amplamente com a população o problema, buscar embasamentos técnico e ambiental e mais: começar ,ainda que tardiamente, a tratar com mão de ferro os abusos e desvios. Simploriamente remendar os estragos feitos, sem mexer nas profundas estruturas que os causaram é como tentar fechar com areia a boca do vulcão em plena erupção.
O Rio Grangeiro , na sexta-feira passada, apenas executou uma promissória há muitos e muitos anos vencida. Existem ainda milhares outras esperando a oportunidade de cobrança, com juros e correção monetária. A violência das suas águas é bem menor que a violência reiterada a que vem se submetendo por muitos e muitos anos.


J. Flávio Vieira

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Pelas fibras da alma - Emerson Monteiro

Essas tardes cinzentas que emolduram o tempo chuvoso mexem com a gente. Mexem por dentro da gente feitas brocas revirando as entranhas onde transitam escondidos pensamentos de querer ver coisas diferentes acontecerem invés de algumas outras que sacudiram os derradeiros dias, na semana anterior. Entortar os acontecimentos, eis o tal desejo principal desses bichos vivos mexendo por dentro, a querer dominar a natureza, uma espécie de coisa animada impacientando as outras coisas vivas que moram nas entranhas da pessoa. Ondas de coisas vivas invisíveis, imateriais até, digamos assim, sem ter medo de errar, são o que, por que quiséssemos dominar os momentos fugitivos, a gente, parece perseguir, como quem corre atrás de sombras, e não consegue agarrar, que vai embora na correnteza barrenta; e o velho costume de procurar fantasmas apressados nas lamas escorregadias do passado; ou mesmo estirar o pescoço, pretendendo enxergar lá adiante, depois da linha do horizonte; longe; muito longe para obter o menor sucesso. Isto é, esquecer o momento especial do presente, único ser acontecimento que, na verdade, tem valor, nos interessaria com certeza, perante todas as demais frioleiras deste mundo de passados mortos e futuros ainda de vez, na semente.
Caso haja boa vontade para concentrar esforços no presente, acham-se todos os demais fatores que empurram a manada para o curral, nas jornadas individuais ou coletivas dos rebanhos. Ninguém permanece no passado, nem pisará o futuro por conta própria antes da hora. O minuto seguinte já ficou atrás quando virou presente. Essas intenções desesperadas dos ledores da sorte habitam só as casas de jogos, nas travessas da ilusão. Quem, não fossem os filmes, garantirá, um instante depois, o placar final do jogo, deixando de lado o polvo alemão da Copa do Mundo. Quem garantirá com a absoluta segurança isso de depois?
Apertar o cinto do agora, no entanto, qualquer cidadão pode, fora de cair da cama ou botar burros na água. Reger a valsa do instante torna-se, pois, a profissão universal do senso do realismo, nas empresas produtivas.
Diga-se bem isso tudo, quando perguntarem pelo pai da criança em face das tragédias da história. Alguém houvesse de sair na dianteira e as coisas mostrariam outra cara. Pisar maneiro, ordenhar as vacas na hora certa; fechar as portas e janelas antes do pior acontecer; saber escolher as opções ideais; bater na bola da vez; substituir peças e cuidar da revisão no prazo; essas ações inevitáveis aos bons resultados servem de aviso, nos casos posteriores.
Aprender, por isso, as lições, às vezes de preços elevados, porém ainda com os pés no caminho e no tempo do presente, oferece os braços aos estudantes atenciosos. Dias melhores virão, no suor da reconstrução. E a casa pertencerá sempre aos que souberem dela utilizar as oportunidades da milenar sabedoria.

Show Baile SOS Batista!


Está definido! Acontecerá no próximo dia 12 de fevereiro, no salão nobre do Crato Tenis Clube, o Baile Show Beneficente SOS BATISTA. É uma iniciativa de professores e colegas da URCA com o apoio do Crato Tenis Clube, Universidade Regional do Cariri -URCA, Rádio Educadora do Cariri, Mairton e OK Produções, revista virtual CaririCult e a produção da OCA-Officinas de Cultura Artes e produtos derivados.
O Baile é dançante com a banda do Batista e a participação de muitos artistas para apresentações avulsas que abrilhantarão a festa e manifestarão através da arte a sua solidariedade ao artista. Todo o "apurado" será doado ao Batista que, no momento, precisa recuperar as perdas materiais provocadas pelo “dilúvio” experimentado pelo cariri no último final de semana.

Os ingressos, com vendas antecipadas, custarão R$10,00.
Divulguem e/ou manifestem aqui o desejo de participação na festa.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

A estrutura familiar - Emerson Monteiro

Os seres humanos reclamam cuidados imensos quando chegam ao mundo e superam os demais seres no esforço inicial de formação e sobrevivência, até dispor dos meios necessários a seguir com as próprias pernas a jornada de habitar este mundo. Antes dos sete anos, os filhos do bicho gente exigem, dos pais e da sociedade, extremos arranjos, a ponto de depender, em caráter quase absoluto, dos outros para limpeza, alimentação, vacinas, alojamento, vestimenta, primeiros passos, fala, pensamentos, repouso, formação moral, intelectual, etc.
Esse grau de dependência da nossa raça representa o empenho da família em dirigir suas baterias na sobrevivência e no zelo dos filhos, salvaguarda e herança cultural da sociedade. Ninguém foge dos valores trazidos pela família e que lá adiante não venha a defrontar dificuldades e traumas de adaptação perante o desconhecido, nas dobras do caminho.
Por isso, os sábios dão importância inestimável à saúde dos laços familiares, para considerar a célula doméstica a mãe das comunidades e resposta aos desafios de todo tempo. Desorganizada a família, as outras instituições perdem o prumo e a paz perde a razão. Os abalos nesta fonte original implicam nos desmanches que a história registra, no caos das guerras medonhas verificadas em turnos diversos, custando preço astronômico de sofrimento, desespero e trabalho.
A bandeirada desses primeiros passos humanos, dada pelos pais já na infância, reserva sobremodo a esperança possível dos adultos e das suas circunstâncias posteriores, vindas desde a escola filial, nos sentimentos, lembranças e emoções que lhe marcam o modelo de personalidade depois vivenciado no decorrer das gerações.
Conhecimento de padrões fundamentais vindos no começo apresenta frutos na humanidade, o que demonstra as ameaças constantes de que é vítima a família, nesse jogo de dor e prazer da sua experiência. O mal e o bem, que organizam os porões e a bagagem, nessa viagem de seres humanos, na sombra e na luz das situações, trabalham os tais valores de formação das pessoas em movimento, nos grupos sociais.
Tiradas, pois, essas e algumas conclusões mais, a razão do abalo nos países vem do descaso para com os atores do drama ainda na gravação dos letreiros iniciais das consciências, no berço de vilões e mocinhos junto dos responsáveis pela sua formação. Nisso, entra em cena a família para constituir cidadãos com a mesma face dos tempos sonhados e vividos que irão acontecer logo ali adiante, num futuro imediato.