Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

sábado, 28 de janeiro de 2012

Perfumes da saudade pelo ar - Emerson Monteiro

Nas manhãs cinzentas dos invernos, essa brisa suave colhe a gente bem na surpresa dos abraços de antigamente, do tempo em que as flores murcharam leves nos jardinas abandonados. As luzes chegavam aos olhos molhados em gotas de lágrimas dos que se amam e vão sumindo na longa estrada dos dias enegrecidos pelo tempo veloz. Gosto amargo de ausência travava na saliva o íntimo da boca, peito dorido e vazio nos espaços em redor. Desejo imenso de controlar o movimento dos barcos um pouco mais, porém restava pouco de perfume do passado que virava forte saudade descomunal goela adentro. E fiapos de músicas engoliam últimos acordes das notas vazias, românticas, esgotadas nos frouxos véus, traços lentos, indiferentes do Destino com letra maiúscula.

Falas de pessoas agora rumorejam as salas de portas abertas, porém prenhes das ausências de quem se foi nas asas do nunca mais. Há promessas nisso de sucumbirem às doces lembranças quais sementes plantadas nas colinas adormecidas de festas alegres, caprichosas, fugidias. Um pedido de clemência clama aos sonhos interrompidos belas frases, lindos sorrisos, cores intensas, e só desencantos afinal. Aos deuses, as sentenças ao ostracismo de viagens mitológicas jamais receberão revisão.

Pisar, assim, solto no vácuo dos desaparecimentos injustificados no senso comum parece recordações intermitentes, reclamações desse processo exótico, contudo acontecendo a todo instante. Os pobres réus apenas enxugam o rosto sem possibilidades, porquanto a quem não sabem apelar. Rezam, é do direito dos desvalidos. Controlam a duras penas o instinto de sofrer da raça. Retêm ao máximo o impulso das vertigens apelo dos abismos profundos. Param e refletem no caminho à procura dos olhares iluminados que lhes apagaram momentamente os seus, na pedra de memórias arcaicas.

Casos de amor por vezes devoraram as entranhas das gentes e caíram nessa estranha vila das sensações de eternidade a remoer o coração, esfregar na cara as práticas felizes dos adjetivos desnecessários, constâncias permanentes, ainda que contassem tudo aos ouvidos lá internos, na alma teimosa das pessoas, no sonho de ser feliz, a somar cordões de longas esperas aos idos da experiência inesquecível.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Mundo de sonhos - Emerson Monteiro

Nos mistérios da Natureza, os sonhos ocupam lugar privilegiado. Tal qual pensamentos independem da pura vontade dos que pensam, sonhos se apresentam na medida do sono e ninguém escapa dos encaminhamentos instigantes que formam noites a fora. Há estudos mil quanto aos sonhos. Na Ciência, busca persistente aprofunda respostas a isto, desde o passado remoto, e ainda permanece presa ao campo nebuloso das cogitações, circulando o tema de olhos atentos, porém precisando de maiores esclarecimentos que a todos convençam. Admirável esse universo sempre novo dos sonhos.

A propósito, lembro de história que, um dia, ouvi de certo antropólogo americano, não lhe recordo o nome, que viajava pelas tribos da Amazônia e entrevistara velho pajé a respeito dos sonhos. Na entrevista, perguntou ao indígena do poder que as pessoas possuem de entrarem nos sonhos das outras.

Sem titubear, o feiticeiro respondeu que sim, as pessoas podem entrar nos sonhos das outras pessoas, acrescentando em seguida que iria demonstrar, na prática, ao pesquisador, o que estava afirmando naquele momento. Que entraria em um dos seus sonhos para provar o que dissera.

Depois de o professor seguir a outros locais de estudos, retornou à região alguns meses transcorridos desde então. Ali, de novo, se avistou com o pajé da entrevista. Nessa hora, o próprio selvagem foi quem tomou a iniciativa de lembrar o mesmo assunto dos sonhos, e perguntou:

- O senhor recorda de um sonho que outro dia teve, e que nele apareceu uma onça pintada em movimento dentro da floresta?

Após concentrar o pensamento, confirmou o antropólogo aquele sonho que, com clareza, vivenciara no intervalo de tempo após haver encontrado o pajé pela primeira vez.

- Pois aquela onça era eu – assim e naturalmente retribuiu o índio antigo.

Observo, contudo, a margem infinita dos conhecimentos em adquirir, nas jornadas da experiência, o domínio de si sob os mistérios que, a todo o momento, surgem nas portas da transformação, espaço do crescimento individual comum e fértil.

E concluo indagando aquilo mesmo que quis saber do índio o estudioso americano:

- É possível a uma pessoa entrar nos sonhos das outras pessoas?

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Nos ombros do destino - Emerson Monteiro

Esse um novo livro de Geraldo Ananias Pinheiro, autor caririense que resolveu mergulhar no espaço urbano para revolver as contradições dos tempos prenhes de matizes apocalípticos, ao estilo dos contadores de histórias. Anda nas aglomerações com a mesma fluência que caracterizou os livros recentes, de locações sertanejas, superpondo ações e personagens com a leveza de quem traz o jeito de conduzir
aonde pretende; assinala dramas interiores e dificuldades ambientais, aventureiro do inesperado e da frieza das instituições sociais, em estruturas metálicas de sítios geométricos enigmáticos.

Nas trilhas da cidade grande envoltas nas sombras, no enxameio de máquinas apressadas, coisas misteriosas acontecem, grifadas nas impressões psicológicas que remexem as almas, a suprir solidões de becos escuros, na metrópole. Sentimentos se atritam dentro das madrugadas insones, fortes amores despertam em plenos expedientes e nas mesas dos restaurantes de luxo, seres esquisitos, fantasmas petulantes.

Nisso, a atualização das expectativas pouco satisfeitas de amores, amizades, companheirismo, aos moldes do que o romance permite na sua imprevisibilidade constante. Ananias sabe disso. Contundente, machuca feridas abertas pelos gestos incompreendidos. Uma surpresa sobrevoa todo tempo as peças do jogo, num ritmo frenético. A familiaridade com que conduz seu bloco de protagonistas revela habilidade que comunica e diverte.

Na força do romance, enxerga a ótica dos autores de produzir existências através da velha ficção. Desponta horizontes onde antes nada havia; com isso, desvela mundos e abre portas. Escrever páginas das histórias guardadas nas regiões mentais obscuras funciona qual psicanálise de cada época. A fúria dos que se descobrem fazedores de romances gera meios ao dizer dessas fases das sociedades, e as páginas vão abrindo espaço às emoções, aos papéis que avolumam relacionamentos nas palavras e nos contextos.

Neste seu quarto livro, Geraldo Ananias cresceu no amadurecimento e nas interpretações do espontâneo que prende a atenção e quer usufruir dos valores vindos nas calhas da criação literária.

Quando chega ao misterioso, o que houve também no livro anterior, Levado ao vento, abre as perspectivas reencarnacionistas, solução dos inúmeros espantos humanos das afinidades, idiossincrasias, tendências, no resgate das possibilidades tantas vezes consignadas, e pouco atendidas, dos impasses e contradições da vida. Indica, sem, no entanto, coagir. Insinua, sem confrontar crenças ou conceitos estabelecidos. Pisa as páginas do futuro qual explorador cuidadoso, circunstante, abrindo frestas às visões particulares das marcas deixadas em todo coração.

domingo, 22 de janeiro de 2012

Poste com luz própria

Dilma tem aprovação superior à de Lula no 1ª ano, aponta Datafolha

Presidente é avaliada positivamente por 59%, contra 42% de Lula.
Pesquisa foi publicada na edição deste domingo da 'Folha de S.Paulo'.

Do G1, em Brasília

Ao final do primeiro ano de governo, a presidente Dilma Rousseff registrou índice de aprovação superior ao de todos os seus antecessores no mesmo período desde a volta das eleições diretas, segundo pesquisa Datafolha publicada na edição deste domingo (22) do jornal "Folha de S.Paulo".

De acordo com a pesquisa, 59% dos brasileiros consideram a gestão de Dilma Rousseff ótima ou boa, enquanto 33% classificam a gestão como regular e 6% como ruim ou péssima.

Ao final de seu primeiro ano de governo, Luiz Inácio Lula da Silva alcançou 42%. No segundo mandato, o ex-presidente alcançou 50% de aprovação no primeiro ano de gestão.

Ao completar um ano de governo, Fernando Collor tinha 23% de aprovação. Itamar Franco contava com 12%. Fernando Henrique Cardoso teve 41% no primeiro mandato e 16% no segundo.

O Datafolha ouviu 2.575 pessoas nos dias 18 e 19 de janeiro. A margem de erro do levantamento é de dois pontos percentuais, para mais ou para menos.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Utilidade providencial do trabalho - Emerson Monteiro

Ganhar este mundo com o suor do próprio rosto, quanto de sabedoria existe nisso. Esquecer a inutilidade através da identificação naquilo com que ocupar o tempo e a vida, no querer utilizar a riqueza das horas para elaboração das fortunas pessoais, a todo o momento. Quão poucos descobrem em essência esta lição magistral... Uns através da necessidade e da sobrevivência, outros por meio da vocação, dos talentos, dons, interesses...

Ouviu-se que em mente desocupada o Diabo faz tricô. Andar desocupado, aventurando a vida nos trapos de perversão, olhar em torno e fazer nada, que pouca imaginação representa. Vagar solto no vento, nem os pássaros, que a cada dia elabora a moldura dos lugares com sua alegria e volteios de beleza rara, entre nuvens e folhagens, à cata de onde adormecer e, ao despertar, tonificar de harmonia os mistérios da mãe Natureza.

Malandrar qual quem se perdeu as pernas no desespero da dor e da inutilidade, nos depois. Trabalhar jamais arrancou pedaço da alma da gente. Os acomodados, doentes de preguiça, dão notícia de possíveis fugas do compromisso das responsabilidades. Todavia sofrem desse torpor de olhar o alheio de lábios vazios. E felicidade rima com atividade, espinha dorsal das melhores aspirações. É tanto que, quando param as engrenagens do trabalho, pensamentos seguem funcionando, mostrando meios de planejar outras horas prósperas.

Isso de crescer sobre as bases sólidas do ritmo de trabalhar e sonhar, sonhar e trabalhar, representa o eterno movimento das ações e dos sistemas. Sociedades felizes nascem, pois, das festividades coletivas do trabalho, conhecimento da efetiva produção de novos elementos na soma dos antecedentes, dos valores armazenados no decorrer das histórias, nos grupos humanos.

Descobrir a importância facilitadora de trabalhar cresce a personalidade e os diversos instantes da jornada terrena, tesouro precioso das pessoas, fonte da paz realizadora.

Bem fácil revelar o primor desses pequenos gestos internos, experiência que, por vezes, só aprendemos no declinar das energias, e que tanta qualidade boa ocasionaria vinda no seio da rica juventude.

Há um conceito especial que ganhou campo nas escolas atuais que diz ser apenas nos dicionários onde a palavra sucesso vem antes de trabalho. Aplicar, em consequência, esta orientação significa norma de mais absoluta das verdades.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

BBB em Matozinho


Ciço de Quinô , dono da “Amplificadora Titela de Siriema” , em Matozinho, voltou da capital com a novidade. Tinha ido resolver algumas pendências e comprar alto-falantes novos para uma ampliação da rede da “Titela” e tinha assistido, por lá, a alguns programas de televisão , em busca de novas tendências no mercado de comunicações. Pois bem, chegou ansioso para lançar a novidade, temendo que algum forasteiro se antecipasse. Na volta, ainda na sopa de Duzentos, veio toda viagem matutando, pensando em como adaptar a sensação do momento, nas ainda precárias condições de mídia de Matozinho. E nem espalhou muito a conversa, com medo da concorrência. Podia dar bode! Pois bem, caro leitor, como os fatos aqui narrados aconteceram em tempo pretérito, Ciço, com certeza, não se sentirá prejudicado que aqui os contemos. Pois vamos lá ! O certo é que, na Capital, ele assistira ao BBB e ficara impressionado. Um magote de homem e mulher trancafiado numa casa, fazendo a maior putaria e o povo todo brechando? Onde já se viu isso, meu senhor ? E logo ele, que fora viciado em espiar as meninas tomando banho no Açude do Calango! Até que um pai mais vigilante acabara por tirar-lhe aquela mania feia , sob força de cipó de mufumbo no lombo ! E a gora tudo era permitido? Aquilo só podia dar dinheiro e audiência !
Chegado na Vila, encetou os preparativos para empreitada. Primeiro resolveu trocar o nome do Programa. Quem diabos lá sabia o que era bigue broda ? Depois de muito pensar, trocou por BBM : “Boa Brecha em Matozinho”. A outra grande questão disse respeito à escolha da casa. Ainda andou sondando pelas ruas principais da cidade, mas quando explicava a que se devia endereçar, todo mundo roía a corda. Aquela esculhambação terminaria por trazer problemas com o Padre Arcelino e a beataria da cidade: o pároco era mais ortodoxo que embalagem de sabonete Life Boy. Queimados os imóveis mais centrais, De Quinô viu-se diante da única possibilidade de manter de pé o negócio --- sem nenhum trocadilho--- na Rua do Caneco Amassado: a zona de baixo meretrício de Matozinho. Procurou uma Boate já em decadência -- a um dia famosa “ Paraíso do Prazer” ---e negociou com a cafetina local : D. Teodulina. Conversa vai, conversa vem e terminou-se acertando um aluguel em conta, por um mês. A partir daí, Ciço começou a procurar o financiamento imprescindível para o empreendimento, coisa complicada numa cidade pequena como aquela. O certo é que alguns comerciantes locais contribuíram sorrateiramente e o prefeito Sinderval Bandeira que tinha uma gambiarra nas redondezas, soltou verba, por baixo do pano, contando com a cumplicidade e o silêncio do boquirroto e midiático Ciço. Procedeu-se, então , às últimas providências: pintura da casa com cal, aposição de vários canos de PVC ao redor das inúmeras dependências para facilitar o brechamento oficial e pago por quem assim o interessasse. O preço da espiada variava dependendo da localização do cano : os da sala e do corredor eram mais baratos, os dos quartos bem mais caros e os dos banheiros, vip´s , eram caríssimos comparando-se com o PIB da Vila. “De Quinô” instalou ainda uma extensão da Amplificadora defronte à casa, com o fito de divulgar os acontecimentos indoor aos quatro cantos da vila. A partir daí começou a divulgação do evento e as regras. Seriam escolhidos três homens e três mulheres que ficariam enclausurados na Casa por um mês, teriam comida e bebida farta. A cada semana os brechadores votariam escolhendo a saída de um e , na última semana, apenas um seria escolhido para sair da casa entre os dois restantes. O vencedor tinha vultoso prêmio garantido : Dois meses de cana e tira-gosto grátis no Bar de Godô, dois meses de PF´s grátis no Café de D. Rirri , um ano de trânsito free na “Paraíso do Prazer” e ainda uma imagem do “ Menino de Jesus de Praga”.
O passo último foi a escolha dos convidados ao confinamento. Escreveram-se muitos desocupados e muitas quengas juramentadas, de maneira que deu um certo trabalho a escolha. Terminaram escolhidos : Jojó Fubuia, o pau-d´água da Vila, que se animou com a possibilidade de cana grátis; Judite Batata em Areia, uma das mais folotes mulheres dama de Matozinho; “Tião Terra de Cemitério” , um tarado contumaz de Bertioga; Juju Tira-Tira , tradicional dançarina do “Riso da Noite”; Zazá Assovio de Soim , um sujeitinho afeminado e que trabalhava na Rua do Caneco Amassado, como uma espécie de office-boy de rapariga; e, finalmente, Zuleika 44, a mais tradicional mulher-homem da redondeza, uma verdadeira máquina de triturar casamentos.
No dia da inauguração da Casa, foi feriado em Matozinho , com direito a discurso do Prefeito e presidente da Câmara. A Banda Cabaçal tocou como se fosse Festa da Padroeira Santa Genoveva. Confinados os participantes, Ciço manteve a platéia acesa durante os primeiros dias , com a “Titela de Siriema” berrando no meio da rua sem parar. A venda de ingressos angariou total sucesso. Passada a primeira semana, no entanto, em meio à clausura e à brecharia generalizada, começaram a aparecer os primeiros problemas. Jojó Fubuia sofreu uma surra homérica, quando tentou assediar Zuleika44, abrindo-se grande controvérsia se teria conseguido um intento até então inédito na Vila, apesar da pisa. Tião Terra de Cemitério apaixonou-se desesperadamente por Zazá Assovio de Soim que resistiu às investidas do garanhão com unhas e dentes, sabe-se lá como. Zazá protagonizou o mais grave crime cometido na Casa, quando, à noite, sob a sombra bruxuleante da lamparina diz-se que se aproveitou de Judite Batata em Areia , que ,de pileque , aparentemente desmaiara e , ciente que embriagadas essas coisas não têm dono, apropriou-se das terras devolutas de Judite. Zazá terminou expulso após a denúncia posterior de Batata em Areia que entrou com um processo de estupro e desfloramento contra Assovio de Soim. Tendo sido esse o primeiro caso jurídico de estupro e meximento de quenga já registrado no Fórum de Matozinho. Juju Tira-Tira comportou-se como pode, embora haja denúncias que madrugadinha, tinha umas escapadelas para a Amplificadora de Ciço, onde aparentemente amplificava também alguns atributos anatômicos do nosso midiático guru. Terminou eleita vencedora do primeiro BBM da vila pelos brechadores , possivelmente por conta da sua capacidade inédita de mostrar-se que , inclusive, já estava bem visível no seu sobrenome.
Ciço de Quinô encheu as burras de dinheiro , anda mais serelepe que caçote em dia de chuva. Já anunciou, com estardalhaço, o BBM 2. O velho Sinfrônio Arnaud já anunciou, publicamente, que não participará e o fez com justificativa bastante cabível:
--- Meus filhos, vou nada ! Eu num tenho virilha pra fuxico , não ! E quem tem cu tem medo !


J. Flávio Vieira

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Plástica


O centro do Crato está de cara nova, amigos. Submete-se a uma Cirurgia Plástica. O procedimento ainda está em andamento. O início, como em qualquer ato operatório, é sempre aquele desconforto danado : trânsito caótico, logradouros bloqueados, ruas parcialmente fechadas. Tiradas as primeiras gazes e os primeiros esparadrapos, no entanto, o paciente parece risonho e satisfeito. E vejam que ainda faltam alguns Liftings e algumas Lipos.

As praças Siqueira Campos e São Vicente revestiram-se daquele ar provinciano de outrora e trouxeram, novamente, os cratenses para as rodinhas e o doce esporte de arremesso de conversa à distância. Sem a praça, amigos, não existe a fofoca, o noticiário oral e constante da vila, o malandro, o aposentado, o estudante, o menino travesso, o desocupado, o bêbado. E sem esses personagens e as notícias fabricadas pelas línguas no dia a dia, uma cidade não se pode assim considerar, perde a vitalidade : está mais para cartório e para arquivo público.

A meu ver, a mais importante plástica foi feita na Rua João Pessoa, a nossa querida Rua do Commércio. A avenida tinha sido simplesmente tomada de assalto pelos comerciantes. Apossaram-se dos estacionamentos, desfiguraram o casario , plantaram placas enormes e horríveis, invadindo o espaço público e dificultando o tráfego das pessoas. Não bastasse isso , como grileiros, solaparam as calçadas com artigos, carrinhos de carrego , cadeiras e mesas. A reforma , inteligentemente, ampliou as calçadas , plantou banquinhos nas laterais, canteiros e reintegrou a posse dos estacionamentos ao povo, com a criação da Faixa Azul. Não descuidou , ainda, da acessibilidade e refez o calçamento de maneira artística e pragmaticamente duradoura. No final, por incrível que possa parecer, serão as lojas comerciais as primeiras beneficiadas, com um fluxo mais constante e menos desimpedido de fregueses.

Alegra-me quando vejo o Estado cumprir sua função reguladora, pensando primeiramente no bem-estar dos cidadãos. Procedemos de maneira contrária ao crime cometido contra a cidade, anos atrás, no alargamento da Miguel Limaverde, quando se destruiu a rua mais bonita do Crato com o fito único e absurdo de facilitar o trânsito dos carros . Como se o mais importante fossem os veículos e não os cidadãos com sua história.

A praça é o coração de uma cidade e as ruas, amigos, são suas veias e artérias: por elas correm o vívido sangue da vila. Se se reparar bem, as praças e as ruas estão imantadas de vida e poesia. Como dizia João do Rio: “Há suor humano na argamassa dos calçamentos”. O Crato não adquiriu apenas com um novo visual: está com veias e coração novos.

J. Flávio Vieira

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Reencontrar consigo mesmo - Emerson Monteiro

Isto por meio da simplicidade, neste solo cheio em demasia de heróis os mais diversos, pois chega o momento dos momentos quando as portas de saída e de entrada representam apenas o reencontro, nas bases de cada um de nós, seres viventes. As correntes do pensamento, os valores morais e as cólicas das refeições anteriores, juntos, formam essa rede valiosa de buscar, nas mínimas contradições, a essência da pura simplicidade. A gente vasculhou gavetas, despejos, estantes, e nada que representasse a paz que justificaria segurança valiosa diante de inúmeras apreensões.

Resta, por isso, o pouso da leveza original nas histórias interiores, na própria criatura de dentro, aquele foco central das existências no coração da pessoa, na alma alimento. Nessas ocasiões, os raios fortes das dúvidas perdem o furor. Pausas longas na dura caminhada sem trégua dissiparam os derradeiros bloqueios de avistar a praia suave do instante particular no simples das mil variações de objetos e significados... As palavras, com isso, deixam escorrer na pele o sentido de pisar os tetos macios do Universo. Fronteiros a nós, olhos arregalados, seres felizes brincam na forma das cores e dos movimentos quais habitantes de reinos da fantasia bem animada. Música que circula os ouvidos e penetra lavando a escuridão antiga, limpando as chaminés das veias e dos nervos. Resposta bem possível rega, enche de alegria espaços antes ocupados pelas dores desvanecidas.

Essa cura através da simplicidade caberá fiel no pátio de todos. Querer deixar acontecer e pronto, dúvidas somem, independente da fria vontade dos céticos. Ação de transformação que aguarda seus convidados nos refolhos da natureza amiga. Os agentes disso, andarilhos deste chão às vezes áspero e nunca desesperado, percorrerão os trilhos e passos dados em lugar dos cinzas dias, na saúde do tempo. Simplicidade que diz tudo o que havia de contar os personagens da inúmera jornada terrena.

Tanto disseram a respeito do assunto que aprendizes impacientes até abandonaram a crença na simplicidade, razão dos desassossegos ambulantes soltos nas ruas, e correrem, fugitivos, aos esconderijos profundos de erros e farsas, motivo das perdições que aparecem nas visagens dos filmes noturnos. Contudo cabe agir com harmonia e explicar aos passantes o valor das chances de amar o que é bom e ser feliz.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Arrastão


Pois é, amigos, já tínhamos várias expressões para caracterizar as coisas, quando andam fora do prumo : “mais desmantelado que vôo de Anum”, que “queda de helicóptero” , que “rastro de carroça”. A partir dessa semana, acrescentamos mais uma ao nosso dicionário : “mais troncho que Greve de Polícia Militar” ! Já sabíamos de alguns outros desmantelos em movimentos paredistas , como Greve de Coveiros e de Médicos; mas o que aconteceu na última terça-feira foi bem além da nossa imaginação. De repente, talvez impelidos pelas fofocas disseminadas pelos próprios grevistas, estabeleceu-se o pânico: as cidades esvaziaram, o comércio fechou , o povo trancou-se em casa como se esperasse a chegada de um tufão. Junto à boataria generalizada , os espertalhões aproveitaram para pequenos furtos e para alguns crimes mais cabeludos. Até o Governador, insone, na madrugada, assinou rapidamente o aumento dos Policiais, aqueles mesmos que meses atrás tinham sido orientados a sapecar o cassetete na cabeça dos professores que lutavam também por melhores condições de trabalho. A data de três de janeiro será lembrada como o dia em que o Ceará parou.

No Crato, a coisa não foi brincadeira, amigos! Ninguém quis ficar de portas escancaradas. Até o Restaurante Guanabara, de Nenen , mais aberto que coração de mãe , e que há mais de vinte anos nem portas tem , deu um jeito de fechar : parece que botaram barricadas na entrada. Dr. Dedé cria um passarinho chamado “Abre-e-Fecha “, pois desde esse dia, me contou ele, depois do pânico, o bichinho, estressado, só Fecha, não abre mais de jeito nenhum, com medo dos bandidos. A Escola Aprendizes do Samba, do Alto da Penha, depois do sujigamento da terça-feira resolveu, este ano, não mais sair com um Carro Abre-Alas, trocou por um Carro Alegórico Fecha-Alas. Até os pequis maduros, na feira, no dia do pega-prá-capar, não abriam nem com golpes de marreta. E ,segundo as lavadeiras do Coqueiro, nunca na vida tinham visto tanta cueca e calcinha borradas. Foi um dia de juízo ou da falta de. Vejam essa : Nas Casas Populares, a única bodega que não fechou foi a de Pedro Belarmino. O velho fincou pé e disse que não abria nem para o “trem carregado de pólvora e com um doido em cima da carga fumando charuto”. No outro dia, quando as coisas se acalmaram, os vizinhos foram conversar com ele, impressionados com tamanha fortaleza. O velho , então, explicou tudo: tim-tim por tim-tim . Era homem de muita fé e tinha ali, na bodega, guardadinho, um protetor que lhe dava forças para ele nada temer. Acossado pela curiosidade dos vizinhos resolveu mostrar , devotamente, a sua proteção. Dirigiu-se para a porta aberta do estabelecimento e informou com convicção inabalável : --- Meu protetor está aqui atrás : Santo Inácio de Loyola ! Fechou a porta para apresentá-lo aos curiosos vizinhos. Lá, no entanto, só estava o pequeno altarzinho por ele construído, nada do Santo ! Num é que até ele tinha fugido , também, na terça-feira, com medo dos bandidos !

A história mais curiosa , no entanto, ocorreu com um professor da rede pública do Seminário : Florêncio Tupinambá. Estava dando aula, na tarde do dia fatídico, quando estourou a conversa do risco iminente de arrastão. Foram todos liberados e saíram em desabalada carreira para casa. Florêncio, no entanto, tinha uma gambiarra, ali pras bandas das “Cacimbas” e resolveu, pela proximidade, ir para lá. Terminou dormindo com a amante : um pouco por medo, um pouco pelo sabor do fruto proibido. De manhãzinha, ouviu no noticiário de Vicelmo a notícia de que a greve tinha acabado. E agora? Como voltaria para casa? Que explicações dar à mulher que era um misto de Diana Bobitt e Sherlock Holmes ? Criou, então, uma versão fantasiosa e dirigiu-se para casa. Em lá chegando, encontrou a residência cheia de amigos e vizinhos, a mulher e os filhos chorando, todos pensaram no pior. Tupinambá fez cara de vítima e disse que tinha sido assaltado e depois seqüestrado, quando vinha no dia anterior para casa. Em meio à apreensão da família, a versão foi engolida pela mulher sem engulhos. Acalmados os ânimos, Florêncio tomou o café farto que a esposa preparou e resolveu tomar um banho, sob pretexto de que passara a noite preso no matagal e estava um lixo. Na realidade, tentava apagar algum derradeiro vestígio que por acaso tivesse sobrado das presepadas da noite anterior. No quarto escuro, tirou os sapatos e jogou sobre a cama as meias, a calça, a camisa e a cueca. Dirigiu-se pelado ao banheiro. Quando saiu do banho , encontrou a mulher de mão de pilão em punho e , aos gritos, cobriu-o de porrada. Apanhou mais que galinha prá largar o choco. Só já no hospital , em meio à enxurrada de gazes e esparadrapos, descobriu como o plano fabuloso tinha ido de água abaixo. No afã de voltar para casa, pela manhã, ao invés de por a cueca, vestira a calcinha da namorada como peça íntima. Terminou a calcinha cheia de babados e bicos sendo flagrada pela jaracuçu da esposa, em cima da cama, enquanto tomava banho.

No dia seguinte, quando a comissão de professores da sua escola o foi visitar ( ainda penalizada pelo seqüestro) , o encontrou ainda de cara inchada e olhos de guaxinim. Perguntaram os colegas como tinha sido a greve, Florêncio disse que não tinha sorte com movimento paredista: era aquela a segunda vez que apanhava. Quando os colegas quiseram saber quem tinha sido o responsável, dessa vez, por aquela surra homérica, ele desconfiado, apontou para a mulher que preparava, com cara de poucos amigos, o almoço, na cozinha e acusou baixinho, com medo que ela ouvisse :

--- O governador, amigos, o outro governador ali !


J. Flávio Vieira

quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

O poeta Bule-Bule - Emerson Monteiro

Quem quer o que Deus quer, tem tudo o que quiser. Quem não quer o que Deus quer, seja o que Deus quiser. Guardei de hoje este provérbio, de uma conversa que mantive com o poeta baiano Antônio Ribeiro da Conceição, codinome Bule-Bule, autor de belos cordéis e consagrado autor popular em visita ao Cariri, apresentado que fui por Miguel Teles e Josenir Lacerda. Citava o dizer, fruto da sabedoria das tradições, em relação à necessidade humana de aprender confiança em tudo por tudo nas intempéries deste mundo vivente.

Além de cordelista, Bule-Bule exercita seus talentos na qualidade de compositor, dançador de chula, repentista, ator, cantador, folclorista, e lembrar o valor especial do poeta qual figura valiosa no trato de alma dada ao serviço de ações beneméritas, ativo colaborador de obras assistenciais com arte e consciência.

De fama já conhecia Bule-Bule, nos meus tempos baianos, presença definitiva dos terreiros brincantes e espetáculos culturais da Boa Terra. E desta vez ouvi a verve espontânea que lhe caracteriza a inspiração e a correção no jeito dos assuntos, filosofia dotada da plena sabedoria, em experiência e dedicação do gênero que abraça ao talento, heróis do cotidiano original do povo nordestino.

Grata surpresa, portanto, reservara a manhã desse dia, o quarto do ano novo de 2012, ao deparar poeta e gênio autêntico de nossa espécie, dessas pessoas que às vezes imaginávamos existir, antes mesmo de avistá-las no desfiladeiro dos profetas sóbrios da forma, dos versos, cantos e falas.

Bule-Bule virá, no mês de março, ao Cariri, quando cumprirá pauta no Espaço Cultural do Banco do Nordeste, em Juazeiro do Norte, oportunidade rara de testemunhar a feitura especial do que produz, mundo vasto da riqueza intuitiva do Sertão, retrato natural do universo em expressão inextinguível.

São tantos os cordéis desse autor, cujos títulos bem demonstram os temas neles praticados, a saber: Quatro touros endiabrados e um vaqueiro corajoso; Duelo de bruxos, ou o Pombo e o gavião; A tragédia de três amantes; Irmã Dulce da Bahia, Santa mãe de todos nós; O tremendo duelo de Quirino Beiçola com Tomaz Tribuzana; O encontro da aranha com o reumatismo; Peço pra não acabar o Raso da Catarina; Judite, a mulher divina que salvou o marginal; Bimba espalhou capoeira nas praças do mundo inteiro; e Chora o Nordeste com a morte de Rodolfo Cavalcanti; dentre outros, vários e muitos, do Cantador do Sertão, como assim o denominam perante os meios artísticos brasileiros.

domingo, 1 de janeiro de 2012

Atitudes - Emerson Monteiro

Trabalhar propósitos neste início de ano corresponderá ao planejamento do novo período em formas que melhor signifiquem os ideais do bom viver. Saber traçar programas para o exercício da liberdade. Dominar ao máximo os caprichos do destino através dos meios disponíveis. Fixar as metas do sucesso até onde haja as possibilidades, neste chão comum, através dos métodos dados pela humana sabedoria.

Contudo as tais postulações exigem providência inevitável desse procedimento. São as atitudes. Sim, atitudes que representam a seriedade como encarar os individuais planejamentos. Elaborar planos sofisticados, mirabolantes, raiando por vezes pretensões além das forças, enfraquece a energia dos seus autores.

Dizer isso e imaginar que planejar estabelece metas e objetivos; condiciona itens de sinceridade consigo próprio, semelhante a prometer, empenhar a palavra, com relação aos propósitos estabelecidos. E a tradição dos tempos indica o peso das promessas. Promessa é dívida, qual sempre afirma a população. Simboliza palavra empenhada, enquanto palavra equivale à expressão de quem dela faz uso. Dívida tanto pessoal quanto coletiva. Homem sem palavra é ser inexistente que habita fora da realidade.

Isso de encher o tempo de conversa pelo ar passa distante das produções necessárias e dos resultados práticos. Atitude vale a vida dos propósitos. Escutar isto no princípio deste novo calendário acordará os brios internos da gente, conquanto atenda às vontades formuladas (quem sabe?) décadas atrás. Desejos fortes ainda no berço que agora vêm à luz, neste começo de história.

Bom praticar o planejamento qual norma de respeito para com a verdade dos propósitos firmados dentro de si, a busca dos valores importantes da personalidade valiosa.

Que os objetivos traduzidos nas promessas deste novo ano encontrem respaldo nas atitudes, daqui em frente, que virão facilitar os passos de todos. No instante quando acontecem tais realizações positivas, as portas abrirão de jeito natural e obter-se-ão os frutos da Paz nos corações.