Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Arrastão


Pois é, amigos, já tínhamos várias expressões para caracterizar as coisas, quando andam fora do prumo : “mais desmantelado que vôo de Anum”, que “queda de helicóptero” , que “rastro de carroça”. A partir dessa semana, acrescentamos mais uma ao nosso dicionário : “mais troncho que Greve de Polícia Militar” ! Já sabíamos de alguns outros desmantelos em movimentos paredistas , como Greve de Coveiros e de Médicos; mas o que aconteceu na última terça-feira foi bem além da nossa imaginação. De repente, talvez impelidos pelas fofocas disseminadas pelos próprios grevistas, estabeleceu-se o pânico: as cidades esvaziaram, o comércio fechou , o povo trancou-se em casa como se esperasse a chegada de um tufão. Junto à boataria generalizada , os espertalhões aproveitaram para pequenos furtos e para alguns crimes mais cabeludos. Até o Governador, insone, na madrugada, assinou rapidamente o aumento dos Policiais, aqueles mesmos que meses atrás tinham sido orientados a sapecar o cassetete na cabeça dos professores que lutavam também por melhores condições de trabalho. A data de três de janeiro será lembrada como o dia em que o Ceará parou.

No Crato, a coisa não foi brincadeira, amigos! Ninguém quis ficar de portas escancaradas. Até o Restaurante Guanabara, de Nenen , mais aberto que coração de mãe , e que há mais de vinte anos nem portas tem , deu um jeito de fechar : parece que botaram barricadas na entrada. Dr. Dedé cria um passarinho chamado “Abre-e-Fecha “, pois desde esse dia, me contou ele, depois do pânico, o bichinho, estressado, só Fecha, não abre mais de jeito nenhum, com medo dos bandidos. A Escola Aprendizes do Samba, do Alto da Penha, depois do sujigamento da terça-feira resolveu, este ano, não mais sair com um Carro Abre-Alas, trocou por um Carro Alegórico Fecha-Alas. Até os pequis maduros, na feira, no dia do pega-prá-capar, não abriam nem com golpes de marreta. E ,segundo as lavadeiras do Coqueiro, nunca na vida tinham visto tanta cueca e calcinha borradas. Foi um dia de juízo ou da falta de. Vejam essa : Nas Casas Populares, a única bodega que não fechou foi a de Pedro Belarmino. O velho fincou pé e disse que não abria nem para o “trem carregado de pólvora e com um doido em cima da carga fumando charuto”. No outro dia, quando as coisas se acalmaram, os vizinhos foram conversar com ele, impressionados com tamanha fortaleza. O velho , então, explicou tudo: tim-tim por tim-tim . Era homem de muita fé e tinha ali, na bodega, guardadinho, um protetor que lhe dava forças para ele nada temer. Acossado pela curiosidade dos vizinhos resolveu mostrar , devotamente, a sua proteção. Dirigiu-se para a porta aberta do estabelecimento e informou com convicção inabalável : --- Meu protetor está aqui atrás : Santo Inácio de Loyola ! Fechou a porta para apresentá-lo aos curiosos vizinhos. Lá, no entanto, só estava o pequeno altarzinho por ele construído, nada do Santo ! Num é que até ele tinha fugido , também, na terça-feira, com medo dos bandidos !

A história mais curiosa , no entanto, ocorreu com um professor da rede pública do Seminário : Florêncio Tupinambá. Estava dando aula, na tarde do dia fatídico, quando estourou a conversa do risco iminente de arrastão. Foram todos liberados e saíram em desabalada carreira para casa. Florêncio, no entanto, tinha uma gambiarra, ali pras bandas das “Cacimbas” e resolveu, pela proximidade, ir para lá. Terminou dormindo com a amante : um pouco por medo, um pouco pelo sabor do fruto proibido. De manhãzinha, ouviu no noticiário de Vicelmo a notícia de que a greve tinha acabado. E agora? Como voltaria para casa? Que explicações dar à mulher que era um misto de Diana Bobitt e Sherlock Holmes ? Criou, então, uma versão fantasiosa e dirigiu-se para casa. Em lá chegando, encontrou a residência cheia de amigos e vizinhos, a mulher e os filhos chorando, todos pensaram no pior. Tupinambá fez cara de vítima e disse que tinha sido assaltado e depois seqüestrado, quando vinha no dia anterior para casa. Em meio à apreensão da família, a versão foi engolida pela mulher sem engulhos. Acalmados os ânimos, Florêncio tomou o café farto que a esposa preparou e resolveu tomar um banho, sob pretexto de que passara a noite preso no matagal e estava um lixo. Na realidade, tentava apagar algum derradeiro vestígio que por acaso tivesse sobrado das presepadas da noite anterior. No quarto escuro, tirou os sapatos e jogou sobre a cama as meias, a calça, a camisa e a cueca. Dirigiu-se pelado ao banheiro. Quando saiu do banho , encontrou a mulher de mão de pilão em punho e , aos gritos, cobriu-o de porrada. Apanhou mais que galinha prá largar o choco. Só já no hospital , em meio à enxurrada de gazes e esparadrapos, descobriu como o plano fabuloso tinha ido de água abaixo. No afã de voltar para casa, pela manhã, ao invés de por a cueca, vestira a calcinha da namorada como peça íntima. Terminou a calcinha cheia de babados e bicos sendo flagrada pela jaracuçu da esposa, em cima da cama, enquanto tomava banho.

No dia seguinte, quando a comissão de professores da sua escola o foi visitar ( ainda penalizada pelo seqüestro) , o encontrou ainda de cara inchada e olhos de guaxinim. Perguntaram os colegas como tinha sido a greve, Florêncio disse que não tinha sorte com movimento paredista: era aquela a segunda vez que apanhava. Quando os colegas quiseram saber quem tinha sido o responsável, dessa vez, por aquela surra homérica, ele desconfiado, apontou para a mulher que preparava, com cara de poucos amigos, o almoço, na cozinha e acusou baixinho, com medo que ela ouvisse :

--- O governador, amigos, o outro governador ali !


J. Flávio Vieira

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