Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Eu vou......José do Vale Pinheiro Feitosa



Ligue a música e leia o texto. Desligue a rádio na borda à esquerda para não misturar os sons.

Nossos sentidos além de absorver a filigrana de milhões de coisas é o maior centro da síntese humana. Nenhuma referência é mais forte do que um perfume, um gosto, uma audição, um olhar ou um toque. Apenas a insinuação de qualquer um se torna um quantum, um momentum sintético de enredos completos ou de um discurso inteiro.

Assim é o gosto de segunda feira no côncavo da minha terra. O casco dos animais trazendo a mercadoria para serem arrumadas nas ruas. A conversação dos comerciantes no sereno das madrugadas entre o domingo e a segunda feira: o dia da feira no Crato.

O caleidoscópio especializado de ruas ou trechos de um ramo de mercadoria: cerâmica (barro), corda, frutas (especialmente banana e abacaxi); legumes, rapadura, roupas e objetos de couro. Um caleidoscópio complexo que, se tentássemos fazer o percurso inverso das centenas de tributários que alimentavam a feira, daríamos em terras encantadas do mais profundo rural antigo.

Os altos falantes das lojas anunciando as vantagens que existiam uma vez se ultrapassem suas portas ou se abeirassem das bancadas que expunham as ofertas. A voz altitonante dos anúncios ao se mesclar no vozerio das pessoas se espremendo nas calçadas nos deixando com a cabeça atordoada de tantas mensagens.

Um quebra queixo, um olhar de filhós, um desejo de mariola, a paquera do tijolo de leite de Joaquim Patrício. Um refresco, quem sabe o velho crush só para dar um arroto de arrasar quarteirão. E as obrigações, no Salão ABC para a máquina raspar o cabelo nas laterais, deixando apenas um resto de matagal no topo da cabeça.

E de repente respirar fundo ao deixar para trás aquela multidão igual um temporal no largo generoso e sedutor da Praça Siqueira Campos. Mizalmir, Cu de Apito, Lasquinha, Pedro Maia e seu Berredo no velho Chevrolet dos anos 40. O encanto dos cartazes do cine Cassino e o desejo de seduzir as atendentes do Café Crato. Nunca aconteceu, não era para aquele moleque, mas repetia para não ser diferente.

No final da tarde, pelas três e meia, com um dinheiro da entrada, um trocado para um Sonho de Valsa e as correntes do Cine Moderno, em desejo da bilheteria aberta. A sessão que remetia o freguês para mundos fantásticos, que podia ser uma aventura no futuro, em Marte ou na Velha Roma, nalgum recanto do Velho Oeste ou na Fantasia de Conto de Fadas.

Nas seis horas, um coração solitário. Um medo de isolamento, sensação de abandono. Pela Santos Dumont, com as lojas fechadas (o verdadeiro Canto do Cisne é o das portas corrediças das lojas sendo abaixadas), o restos de cascas de frutas na altura do mercado, a Padaria de José Cirilo com o mantra do pão da noite.

E tudo cessava, o mundo se ajeitava, retornava ao domínio da insensata segurança, nas luzes de um lampião de camisa. Um lampião Aladim.

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