Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

sexta-feira, 30 de março de 2012

AS VELAS LATINAS DAS QUINTAS FEIRAS - José do Vale Pinheiro Feitosa

Mais uma quinta feira. Toda quinta feira quando o corpo se desonera dos compromissos clínicos, no silêncio do pé de serra, ele expõe os fatos que se desenrolam na raiz de uma grande narrativa.

Mas nesta quinta ele perdera sua ilha de atracação. Sua Odisseia certamente no mar cearense, sem as ilhas do Egeu a desenrolar aventuras, na vastidão horizontal sem fim. Mas uma vastidão delimitada verticalmente pelo mar e pelo céu.

E seu destino sem porto, agora sem a ilha flutuante, no entanto, teve uma origem, um estaleiro onde seu barco flutuante fora construído. Mas é difícil precisar o local exato do estaleiro: se no meio da terra, nas Américas, ou nas margens orientais e ocidentais do Mediterrâneo. Com certeza a quilha veio do Oriente bíblico e o convés da Grécia.

Neste ponto gerou-se um paradoxo em sua narrativa desta quinta feira. Qual seja: não tem sentido falar-se numa origem desconsiderando ser esta o ponto inicial de uma ação cuja necessidade é o seu ponto final. E o ponto final de uma ação pode até acontecer por acaso, no entrechoque com penedos, mas isso apenas seria a quebra de um projeto individual a imaginar uma viagem muito mais longa, mas que, entretanto, não subtrai da ação o seu início e o seu fim.

Ação é o que estas quintas feiras revelam. Não uma deriva flutuante apenas ao sabor dos ventos. Acontece que há muito abandonou a vela áurica e seus necessários remos, afinal não viaja sobre uma galera, hoje a sua navegação acontece com velas latinas. As velas latinas viajam em qualquer tipo de vento.

As quintas feiras são exatamente isso: um navegante a traçar o próprio destino. E isso não pouco diante da incomensurável cordilheira a determinar o destino das pessoas. Aquelas que tomam o próprio destino em suas mãos podem ter cicatrizes, mas certamente o campo de ação a narrar quintas feiras.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Cais


O mar como sempre imenso e inescrutável. Limitando-se por todos os lados com infinitos abismos. Abaixo, os mistérios abissais e inatingíveis da água: fluida como a existência. Ao derredor, com horizontes a se perder de vista: a abóbada celeste em ósculo lambendo os quatro recantos , lubricamente, num cunilingus intocável e sensual. Acima: um céu azul pincelado, aqui e acolá, pelo algodão doce das nuvens; aparentemente ao alcance das mãos, em verdade apenas atingíveis pelas digitais do sonho. Cercado pelo mistério , carregando nas mãos apenas a rosa dos ventos, um veleiro singra as ondas sem destino pré-determinado, sem ter aonde ir e aonde chegar. À mercê dos ventos, cicla, como um pêndulo, entre tempestades e calmarias, ora velas enfunadas, ora mastro recolhido . Sem rumo claro, nenhum vento lhe é perfeitamente favorável ou desfavorável. Na viagem, o barquinho termina por descobrir que singra sem astrolábio e sem sextante . As estrelas no céu , a lua argêntea no firmamento não lhe são pontos de orientação, apenas compõem o cenário : prestam a iluminação necessária para o grande script da viagem que é simplesmente flutuar. Não haverá Monte Ararat à frente, as águas jamais baixarão e a pombinha nunca retornará com o ramo de folhas de oliveira , pela simples razão de que não há continente possível, não há pomba , não há árvore. Existem apenas o mar, o barco, a viagem.

Houve tempos em que o veleiro atingia às vezes uma pequena ilha flutuante e ali encontrava um porto seguro por alguns instantes. Era possível atracar, livrar-se temporariamente dos redemoinhos, das tormentas e gozar um pouco da paz reconfortante do cais. E antes de cair, novamente, nas correntes marinhas avassaladoras , podia pensar um pouco na viagem , agora com o contraponto do silêncio e da inércia. Na ilhazinha , atracado, o barquinho sentia-se com raízes, como uma árvore em solo firme, pronto a dar flores e frutos.

Um dia percebeu, com espanto, que a ilhazinha havia sido erodida e tragada pela inexorabilidade das marés. A paisagem voltara a ser imutável : mar e céu. O veleiro desliza agora à espera do tsunami vindouro ou do beijo fatal da quilha nas penedias. A árvore se transformou , num átimo, num simples aguapé obediente ao fluxos das águas e da preamar. E o barquinho à deriva fundeia-se no único esteio possível : uma âncora sombria, coberta de musgos e de ferrugem chamada Saudade.

J. Flávio Vieira

quinta-feira, 22 de março de 2012

O Paranaporã de Menhã


Os matozenses eram conhecidos, em toda biboca desse mundão de meu Deus, por serem gabões de não mais se ver. Vilazinha perdida lá onde o vento faz a curva, lugar onde se vendia Coca-Cola em dose e onde urubu comia bagaço, o povo, no entanto, respirava ares de grande metrópole. Esta gabolice vinha , talvez, da comparação inevitável com as vilazinhas próximas : Bertioga e Serrinha do Nicodemos, estas bem mais raquíticas e pobres. Um matozense contemplava o leito invariavelmente seco do Paranaporã, com o orgulho de quem visse o Sena, o Tâmisa ou o Danúbio. E foi pela comparação inevitável que “Totonho da Rabeca” , compôs , em homenagem à sua terra natal, o chorinho “Paranaporã de Menhã”, certamente no pensamento de embotar o “Danúbio Azul” de Strauss. A musiquinha, fácil de assoviar, pegou rápido e terminou por se consagrar como o tema de Matozinho, uma espécie de “Cidade Maravilhosa” da catinga.

Terá sido, certamente, esta empáfia que levou o prefeito Sinderval Bandeira, depois de folhear alguns velhos almanaques Capivarol, a construir, uma réplica da Torre Eiffel, logo na entrada da cidade. Dizia que seria o cartão postal de Matozinho e apôs o nome de Torre da Bandeira, sob pretexto de que ali, no topo, estaria eternamente hasteado o panteão municipal da Vila. Na verdade, era uma tentativa de , sorrateiramente, imprimir seu nome na obra, fugindo de perseguições de adversários e da Justiça Eleitoral. Rapidamente o povo, com a sabedoria que lhe é peculiar, batizou a obra de “Torre da Bandalheira”.

Na Comemoração dos 200 Anos da Revolução Francesa, foram arrebanhados vários artistas populares com fins de participar das festividades na França. Em Matozinho a lembrança caiu , imediatamente, em “Totonho da Rabeca” que terminou sendo convocado e partiu para as estranjas com a digna missão de representar Matozinho. Uns dez dias depois, Totonho estava de volta da sua viagem diplomática. Voltou importante, falando meio engrolado. Só aprumou quando , no Bar do Giba, resolveu agradecer ,à francesa, um elogio e ao pronunciar o “Merci, Beaucoup!” , Francelino Catavento tomou aquilo como palavrão – “Vá tomar aonde, seu filho duma égua? Repita !” -- e sentou-lhe o braço no escutador de novela do artista. Depois disso, Totonho desistiu, definitivamente, dos galicismos. Ao narrar sua experiência em terras estrangeiras, nosso rabequeiro não conseguia conter o bairrismo epidêmico de Matozinho :

--- Paris é até bonitinha ! Um pouco maior que Matozinho! Mas dos franceses, eu não gostei, não ! Ou povo invejoso das mulestas dos cachorros! Pois vocês acreditam que os miseráveis construíram uma Torre lá também, igualzinha à de Bandalheira ? Pode ser um desaforo desses?

Há uns dois meses, Sinderval entrou na Câmara com um projeto muito mais mirabolante. Resolveu reconstruir em Matozinho as “Torres Gêmeas”, cada uma com sete andares. Uma delas abrigaria a Prefeitura Municipal e a outra a Câmara de Vereadores. Na justificativa, Sinderval lembrava que aquilo era uma homenagem que prestavam à cidade co-irmã de Nova York, além de ser um ato contra o Terrorismo Internacional. A Vila embebeu-se de uma euforia quase que incontida. Sinderval já vislumbrava uma re-eleição saltando da cartola com a nova iniciativa. Não teria maiores dificuldades em ver aprovado o projeto já que tinha ampla maioria na Câmara e a idéia se tornara a notícia mais badalada nas praças, botecos e boticas nas últimas semanas. Qual não foi sua surpresa quando vieram avisá-lo da derrota fragorosa da proposta na última reunião da Câmara. Sinderval procurou, irado, o presidente em exercício “Lulu da Vêmaguete”, seu correligionário ferrenho, cobrando explicações sobre a traição que sofrera. Aquilo se consubstanciava num verdadeiro cataclisma político para o Partido. Vêmaguete , meio atarantado, tentou justificar o ocorrido:

--- Seu prefeito, todo mundo queria a construção e o projeto do senhor, no início, estava certo de ser aprovado por unanimidade. Foi aí que Gerebaldo Mobral, nosso Secretário, nos alertou do perigo. “Se a gente construir essas Torres, meus amigos, fiquem certos de uma coisa. Esses doidos do Afeganistão vem para cá e vão jogar os aviões deles em cima das torres, ora se vão ! Não fizeram do mesmo jeitinho até em Nova York? Se ao menos acertassem só na Torre de Sinderval, ainda vá lá ! Mas vou logo alertando, cambada ! quem avisa amigo é : Vai ser caco de vereador prá todo lado, viu?

J. Flávio Vieira

sexta-feira, 16 de março de 2012

O ghostoso da simplicidade - Emerson Monteiro

Acharam, pois, de artificializar tanto, e de tal forma, as categorias gramaticais que de regra obesa ninguém vive mais o prazer das primeiras vezes, nessas murrinhas rodeadas na moldura dos cabelos amarfanhados, parafinados, que só aprisionam a boneca da velha civilização. Onde eles esconderam o desgosto do amor aberto das praças e a paixão dos filmes ardentes, as flores miudinhas abandonadas ao vento, o inesperado das cenas, os sambas clarividentes de Chico Buarque?

A emoção definitiva dos jornais de antigamente que chuva levou para sempre, então? E as máquinas sabidas de dar corda, os brincos de argola pendurados perto dos lábios de mel, olhos acesos de desejo às menores carícias, os brejos dos canaviais ondulantes, as cores vivas dos tetos de telha das choupanas e suas chaminés esvoaçantes tingindo de cinza o verde da matas em festa animada? Os pirilampos, as cabrochas, os sugares das concertinas, estalidos de comboeiros conduzindo cargas de rapadura em travessias de sertão? Que é disso, daquilo e doutros tamanhos blocos de granito que jamais imaginou sumirem?

E o ghostoso das mínimas atenções que escorregou dos dedos a preço de inutilidades, a troco de nada, sem botão de respostas saracoteando nas histórias estrangeiras das conversas pra boi dormir dos vídeos games e tudo?! Argumentos falsos desconfiados dessa gente que repete as produções, no lucro incessante em jeito sabido, incutindo colesterol nas barrigas esfomeadas dos subdesenvolvidos e carrões platinados!?...

Começaram tocando nas rádios assuntos desconhecidos em músicas de línguas desconhecidas, e venderam fácil aos índios geniais camaradas, samurais enferrujados. Passaram que passaram turnos de mercadorias ilustradas, sarapintadas no sabor de artificial, e encheram maneiro o quintal da moçada efusiva.

Depois era ver e crer o quanto sucata emprenha o teto dos armazéns, casas e dormitórios. Nisso, o barco segue tingindo o mar dos puxadores da guerra, nos exteriores das fazendas de gado, na superpopulação do tecido social. Cultura mesmo adormeceu preguiça no território de um globo inteiro, que esmoreceu nas calças. Bossa abusada que fuça, fuça, a estrutura caduca na farra de ração que atocha de hormônio o tanque da macacada sideral.

Há tempo, sim, nas folhas dos calendários... No treme-treme dos relógios. Ia esquecendo falar a saudação de fechar a carta.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Rabugem


Recentemente o “Jornal do Cariri” publicou artigo assinado pelo Técnico Judiciário Jailson Matos Nobre sob o tema : “ Até quando temos que suportar o descaso com a Saúde ?” . Nele Jailson desabafa problema vivido por ele mesmo, naqueles dias, quando necessitou atendimento médico por conta de uma suposta virose. As queixas do articulista não são novidade no noticiário cotidiano: somam-se a inúmeras outras , Brasil afora, no que tange ao caos onipresente da Atenção Hospitalar no país. E vejam que Matos Nobre é usuário de Plano de Saúde e mesmo assim sentiu-se desprezado quando buscou assistência médico-hospitalar. Imaginem aí a leva de mais de 160.000.000 de brasileiros que dependem única e exclusivamente do nosso Sistema Único de Saúde ! Mesmo assim, pagando um dispendioso Plano, o nosso técnico judiciário peregrinou por vários hospitais da região, sempre abarrotados de pacientes nos ambulatórios, com filas imensas e consulta médica, a seu ver, superficial e morosa.

Solidarizamo-nos com a aflição do Jailson. Não é preciso ser sequer técnico para entender a fragilidade do atendimento emergencial no Brasil. Isso é simplesmente revoltante e injustificável. Há, no entanto, um outro ponto no artigo que se repete reiteradamente nas outras denúncias vistas no dia a dia . A culpa recaí facilmente sobre o médico que , a seu ver, fez um juramento na formatura e que o está descumprindo seguidamente . Além de tudo,no final, Jailson enfaticamente volta suas baterias novamente para a classe médica, ipsis literis : “os sem vergonhas se apoderam do dinheiro público e fazem o que bem querem, sem que nada aconteça”.

Como médico, sei perfeitamente que para se tratar uma moléstia qualquer é imprescindível um diagnóstico etiológico correto e preciso. Pois bem, acredito que Matos Nobre foi perfeito na descrição dos sintomas e sinais da patologia, mas falho no fechamento do diagnóstico causal. Estando na ponta do Sistema , somos o alvo mais próximo e visível aos petardos da população revoltada. “O médico não atendeu, o médico demorou demais, o médico só pensa em dinheiro e por aí vai... Somos apenas um elo da imensa corrente, caro Jailson, e o seu link mais frágil. Não representamos o carrasco que superficialmente aparentamos ; bem ao contrário: estamos indo para o cadafalso junto com aqueles que se pensa iremos executar. Seria como condenar um Técnico Judiciário pela sentença imposta ao réu, ou a um juiz pela morosidade da justiça, esquecendo que por trás existe toda a máquina emperrada da justiça brasileira.

Para que se entenda: o SUS, criado há mais de vinte anos, se propôs desde o início a dar saúde integral e de qualidade para todos os brasileiros, indistintamente. Esquecemos, porém, que este é um país capitalista e não se pode socializar apenas a saúde, sem socializar, igualmente, o Supermercado. O resultado é que desde então o SUS é sub-financiado, inclusive, recentemente, o Congresso se negou a aprovar a Emenda 29 original que daria um melhor aporte de subsídios ao Sistema. Investimos apenas R$ 2,00 ( menos que o preço de um picolé) por dia para cada habitante e os Planos de Saúde , no Brasil, gastam mais de 60% das verbas destinadas ao setor, para dar cobertura a apenas a 40 milhões de usuários. Essa equação não fecha. O resultado é fácil de se observar : consultas pagas a pouco mais de dois reais, cirurgia de ponte de safena pagando ao cirurgião oitenta reais; o último concurso público para médico no Ceará apresentava proposta salarial de pouco mais de um salário para vinte horas semanais. A escassez de recursos prejudicou principalmente a rede hospitalar procurada pelo denunciante que teve mais de dois mil serviços fechados no país, nos últimos anos. Os Planos e Seguros de Saúde , por sua vez, têm pago valores por consulta e procedimentos bem abaixo do mínimo preconizado pelas entidades médicas.

Os médicos que o atenderam , nos diversos serviços, estavam , segundo suas próprias informações, com um número imenso de pacientes em igual situação, para serem atendidos. Estafados, sobrecarregados, fazendo uma Medicina de guerra, talvez, por isso mesmo, esses profissionais não tenham podido se deter melhor nas suas queixas. São sacerdotes sim, trabalhando após uma formação de mais de doze anos, por salários irrisórios, em péssimas condições de trabalho, a maior parte das vezes sem qualquer vínculo empregatício; sem terem tempo , nem disposição para se dedicar à família e à atualização de conhecimentos. E mais, caro Jailson, exigem deles não mais sacerdócio, mas santidade. É tanto que o grosso da população brasileira já percebeu isso e pesquisa de 2010 ( feita pelo Grupo alemão GFK) apresentava índice de confiabilidade dos médicos de 87%; bem acima, inclusive, dos profissionais da sua área : juízes 67% e advogados 57 % .

Concordamos, plenamente, com a famigerada frase com que você perorou seu artigo: “Os sem vergonhas se apoderam do dinheiro público e fazem o que bem querem, sem que nada aconteça”. Só que, caro Jailson, estes desavergonhados não estão dentro dos hospitais , nem se vestem de branco. Eles estão em outros gabinetes, ganham muito bem e têm a cumplicidade da maior parte do povo deste país. Não se cura a rabugem do cachorro , envenenando o veterinário. Se você pretende ajudar a pôr fim ao descaso da saúde, amigo, é preciso antes identificar o germe para poder usar o antibiótico específico.

J. Flávio Vieira

quarta-feira, 14 de março de 2012

Hugo Linard - Emerson Monteiro

No dia em que iniciava estudos junto ao Colégio Pio X, localizado na Praça da Sé, em Crato, ali por volta dos meus 10 anos, logo antes do início das aulas observava um dos garotos para mim desconhecidos nas animações e intensas atividades. Um deles era Hugo, que depois seria meu amigo e companhia de bons instantes, naquela época. Logo soube que tocava acordeom, gostava de jogar bola e marcava o grupo pela facilidade em liderar os demais garotos. Sempre criativo, guardava boas surpresas e demonstrava alegria contagiante.

Noutras horas, saíamos em caminhadas pela cidade, quando, inclusive, me traria a conhecer o Bazar de Dona Zulmira, loja de brinquedos e variedades que havia na Rua Miguel Limaverde, na época apenas um beco típico do centro antigo do Crato, de belas casas revestidas de azulejo português, herança mais adiante desfeita na urbanização da cidade. A visita ao bazar marcaria bem os olhos de menino qual aparição mágica com mimos quase de tudo ignorados, dada a beleza dos brinquedos raros que oferecia. Isto conduzido pelas mãos do colega e amigo.

Hugo significava em Crato menino prodígio que iniciara a história de musicista logo aos seis anos de idade. Em cada sessão de arte do colégio detinha presença fiel, a executar com maestria as páginas do cancioneiro popular de maior sucesso, número apreciado nos programas de auditório das emissoras cratenses, Araripe e Educadora, atração respeitada por legião de fãs.

Seguiu carreira promissora, merecendo o apoio dos pais, que com ele montariam, nos anos 60, o grupo Ases do Ritmo, conjunto que marcou os bailes do Cariri durante fase inesquecível das tertúlias semanais, junto de Hildegardes Benício , Os Tops e Os Águias.

Além de músico virtuoso nos teclados, Hugo possui dotes para o desenho, havendo mostrado trabalhos nos Salões de Outubro de 1977 e 1978, e no Salão de Maio de 1978, em Crato, ocasiões quando auxiliei na organização dos tais eventos, e expus colagens e pinturas, o que exercitava naquele momento.

Dias atuais, e acompanho as atividades intensas de Socorro Moreira, junto de outros animadores culturais cratenses, para realizar, dia 14 de abril, no Crato Tênis Clube, a festa dos 60 anos de carreira de Hugo Linard, laurel merecido e justo, sobremodo vindo deste reconhecimento público a quem tantas emoções ocasionou durante a boa geração de contemporâneos.

A Hugo Linard o meu abraço de júbilo, satisfação e melhores sentimentos, visto o exemplo de pai de família e profissional exímio que nos lega e que lhe credencia ao destaque que usufrui nas artes da nossa Região.

Cariri Encantado -Sonoridades! recebe Ana Rosa Dias

O Cariri Encantado-Sonoridades! desta quarta-feira  recebe Ana Rosa Dias com o seu livro 'As Narrativas Orais no Bairro Vermelho'  obra esta  inspirada em contos  e memórias dos moradores do Bairro Vermelho. Contos de origem  popular, lendas, cantigas e dramas retidos da memória de um povo que mantém na oralidade as suas histórias de vida.
Hoje,o livro será lançado no Salão de Atos da Universidade Regional do Cariri (URCA), às 19 horas.

Então, temos um encontro marcado:
Cariri Encantado –Sonoridades! A partir das 14 horas pelas Ondas Sonoras da Rádio Educadora do Cariri, 1020 khz-AM  ou pela internet: www.radioeducadora1020.com.br c A produção é da Oca-Officinas de Cultura Artes e Produtos e da Revista Virtual CaririCult. Apoio Cultural da Rádio Educadora do Cariri.

sexta-feira, 9 de março de 2012

Corais e Gaviões


Sabe-se muito do velho Gonzagão cujo centenário se comemora esse ano: da sua genialidade musical, do seu pioneirismo em levar a mais pura música nordestina para grande mídia, do seu poder invejável de abrir os microfones do mundo para a voz do povo do Nordeste, impulsionando a carreira de incontáveis artistas , desta face oculta do Brasil. Estes dias, descobrimos mais uma. Como os grandes artistas , Luiz Gonzaga carregava consigo o dom da profecia. Apareceu-nos como um Nostradamus de Sanfona. Quando cantou nossa cidade como “Cratinho de Açúcar/Tijolo de Buriti” , certamente profetizava nossa total fragilidade frente ao poder corrosivo da água e da chuva. Pois não deu outra! Bastou um chuvinha de nada, num ano de seca, para nossas encostas derreterem como sorvete no sol. E lá se foi , água abaixo, de novo, o Canal do Rio Grangeiro! O que , de resto, não se mostrou como nenhuma novidade. Depois da tragédia do ano passado, já não precisávamos do poder visionário do velho Lula, para fazer previsões. Estava escrito !

É que a obra de reconstrução era tão peba, tão visivelmente tacanha que alimentou todo um ano de lorotas e fofocas na nossa cidade. Um menino de dois anos passava com a mãe perto do Canal, há alguns meses, quando começou a chorar. A genitora acreditou que o bichinho estava com fome, queria gagau, até o menino se esgoelar morrendo de medo, apontando para o Canal: ---Vai cair, mamã! Vai descer! AHHHHHHHHHHHHH! O Cego Marcolino ,que mora pras bandas das Cacimbas, em dezembro, passando na ponte da Ladeira da Integração, nem precisou da luz dos olhos para concluir: --Eita trabalhinho fio duma égua, vamos simbora que não agüenta nem uma nublina ! E O grande guitarrista Batista que mora na beira do precipício e na enxurrada 2011 viu sua casa destruir-se numa noite, retornara para a mesma moradia no fim do ano . Quando observou a reforma velha que estavam fazendo, com umas telas de galinheiro e umas pedras soltas, começou imediatamente a fazer um curso de surfista e agora, nas festas , canta sua música predileta : --“Menina eu vou prá Califórnia/ Viver a vida sobre as ondas...” . Até os pacientes do CAPS, que frequentemente passam na beira do Canal , a caminho do tratamento naquele ambulatório, já tinham comentado aos psiquiatras que rezassem para não ficar nem nublado, pois a obra não agüentava um merejo. Depois da chuva e da derrocada da construção, os enfermeiros acharam interessante a previsão que lhes pareceu anteriormente uma alucinação, um delírio dos pacientes. Como adivinharam que ia cair? Eles responderam de forma conclusiva : --E quem é que não sabia? Não esqueçam: nós somos doidos, não somos burros não ! O professor Carlos Rafael divulgou que a razão é muito simples e está afeita aos livros de Odontologia: Precisavam fazer um tratamento de Canal e resolveram tapar a obturação com miolo de pão ! Deu no que deu ! E, entre risos e chacotas, se comenta que o próprio nome da construtora: Coral, já dizia tudo! Nome de cobra . E mais , onde se encontram os corais, amigos, onde ? Num é no fundo das águas, não?

O grande problema é que junto desta comédia cicla sua irmã siamesa: a tragédia. Famílias novamente desamparadas, prejuízos financeiros que não terão ressarcimento por quem de Direito e o grande caos urbano no trânsito da cidade que já andava praticamente a pé e agora terá que rastejar. Os dois milhões e meio que desceram junto com as águas do Rio Grangeiro serão debitados do bolso de cada um de nós, com ou sem chacota, viu? Resta o consolo: junto com as paredes das obras mal feitas costumam ,historicamente, se dissolver, também, carreiras políticas e projetos mirabolantes de perpetuação no poder. O povo termina por não suportar seu eterno destino de cachimbo e , com freqüência, veste a fantasia de fumo de Arapiraca e parte para o revide. E já agora em outubro vamos ter um novo Quarup, não é ?

Nestes dias, vi conversando dois pedreiros ,numa construção aqui próximo a minha casa, e tive um prenúncio da cobrança que virá. Um deles dizia que o grande problema do canal tinha sido as telas de galinheiro com pedras soltas dentro, que se chama gabião, postas para empatar a descida de água em velocidade, troncos, pedras enormes, ladeira abaixo e em curto espaço de tempo.

--- O problema, compadre, foram os Gabiões !

O outro, no entanto, pareceu ter uma visão bem mais holística da questão. A culpa da tragédia não estava nos pedreiros e engenheiros, mas escondia-se, sorrateiramente, nas ordens vindas do palácio.

--- Que nada ,compadre, o culpado de tudo isso são os Gaviões !


J. Flávio Vieira