Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

sábado, 30 de abril de 2011

Tarrabufado em 2740 Khz


Em fins de 1973, o prefeito Sindé Bandeira enviou uma convocação urgente ao locutor Juju Gurgumilho de Veludo: queria vê-lo na prefeitura com máxima brevidade. Só para lembrar: o nosso Juju presidia a gloriosa Rádio Paranaporã de 2740 KHz sempre, segundo seu slogan , “ falando de Matozinho para até adonde Judas perdeu as botinas”. Nosso jornalista começara a vida como camelô, dali pulara para uma profissão bem mais nobre : animador de comício. Do palanque, infuluiu-se , sob a proteção de Sindé, para uma amplificadora na Praça da Matriz que terminou servindo de embrião para o primeiro veículo de imprensa de massa da pequena vilazinha. Primeiro e único, naqueles anos 70. A concessão da Paranaporã viera sob influência política de Sindé Bandeira e fizera-se uma Rádio chapa branca desde seu nascedouro. Juju era um mero testa de ferro do prefeito. O samango Gurgumilho, assim, recebeu a convocação como uma ordem e, de pronto, compareceu a presença do seu general.

Sindé , rápido, explicou a Juju sua preocupação. A Rádio precisava se antenar com o mundo. Não podia ficar apenas transmitindo as missas de domingo, as sessões da Câmara, as partidas de futebol entre Matozinho, Bertioga e Serrinha dos Nicodemos. A rádio não fazia jus ao seu lema : “Paranaporã AM 2740 : Um tarrabufado de audiência “. Havia um esporte que agora estava em voga: o automobilismo. Fittipaldi havia sido campeão mundial de Fórmula 1 em 1972 e tudo indicava tinha enorme chance de vencer novamente em 1974. Dali a uns dois meses haveria o Grande Prêmio Brasil e Sindé foi direto : queria que a Paranaporã transmitisse a corrida direto de São Paulo e com exclusividade para toda a região. Tinha um parente trabalhando na Rádio Gazeta paulista e que lhe prometera dar a logística mínima necessária à histórica transmissão. Juju fingiu entender do assunto e prometeu reunir os integrantes da “Rasga Goela”, sua equipe de jornalismo. Traria, depois, uma proposta para aquele feito que iria colocar, definitivamente, a Paranaporã como o mais importante veículo de mídia em todo interior do estado.

O entusiasmo de Juju começou a arrefecer já na porta do gabinete. A proposta de Sindé era mudança demais para a carroçazinha da Paranaporã. As atividades extramuros da rádio nunca se tinham afastado além dos municípios vizinhos. E mais, ninguém por ali presenciara uma corrida de carros, até porque todos existentes em Matozinho, naqueles tempos, não eram suficientes para preencher nem um grid de largada.Quem diabos lá tinha cacife para transmitir um troço daqueles? Não bastasse isso, ninguém da equipe havia ido sequer para a capital, quanto mais para São Paulo: aquela terra engolideira de gente. Pelo sim, pelo não, Gurgumilho reuniu sua equipe e expôs, ponto por ponto, a ordem que havia recebido do prefeito. Todo mundo refugou: ninguém entendia de corrida , São Paulo era uma selva e todos foram enfáticos : preferiam a demissão a se meter numa enrascada daquele tamanho.

Juju concordava com as aflições gerais, mas não podia levar uma resposta negativa ao dono do pedaço. Lembrou-se, então, de Garibaldo Jurubeba . Ele vivia transmitindo umas corridas de cavalos na redondeza, era locutor de vaquejada em Bertioga , marcador de quadrilhas e chamador oficial de bingos nas quermesses. Vivia atanazando Juju: seu sonho era trabalhar na Paranaporã. Além do mais morara por muitos anos em São Paulo, trabalhando no Brás, como vendedor ambulante, até retornar a Matozinho. Garibaldo apresentava-se como a única salvação de Gurgumilho.

Juju procurou-o e largou a lábia. O homem, no entanto, era liso como muçum , aprendera na selva urbana as técnicas de negociação. Deu uma de Cid Moreira, fez-se difícil e desinteressado. Esticou o mais que pôde as propostas do presidente. Só acedeu quando ficou garantido : seria, na volta, contratado, teria um programa de rádio só seu e passaria a ser diretor de todas as transmissões externas da Paranaporã a partir dali. Juju voltou meio chateado, mas, respirando com mais facilidade, procurou o prefeito e informou que tudo havia se resolvido. O Grande Prêmio Brasil de Fórmula 1 de 1974 seria transmitido diretamente de Interlagos pela Paranaporã , por “Gari Jurubeba : um balde de informação”.

No início de janeiro, Jurubeba embarcou na Sopa de Seu Duzentos , em busca de São Paulo. Levava todo o equipamento necessário para transmissão. Toda Matozinho estava presente na hora da saída e toda equipe da Paranaporã perfilou-se na praça para assistir à sua partida. Sindé pronunciou um discurso histórico de uma Matozinho antenada com o mundo e com os novos rumos da globalização. Chegando a São Paulo, Garibaldo procurou a casa de uns parentes e se aboletou com eles lá pras bandas de São Miguel Paulista. Entrou ainda em contato com parente de Sindé ,funcionário da Rádio Gazeta , que, na verdade, não negou fogo. Deu-lhe todo o material necessário para ele se ir inteirando da missão. Levou nosso locutor ainda em Interlagos para o cabra tomar pé do que encontraria pela frente. Só aí Jurubeba começou a entender o tamanho do pepino que comprara de Juju. E gelou . Entendeu logo que os nomes dos pilotos eram difíceis, tudo das estranja: Fittipaldi, Clay Regazzoni, Jody Scheckter, Niki Lauda, Ronnie Petterson. Era preciso traduzir aquilo tudo para a língua de Matozinho, se não ninguém entendia.

No dia 27 de Janeiro, cedinho, além de tudo chovendo, com a imprescindível ajuda da Gazeta, Gari se arrumou na cabine de imprensa e começou a transmissão, já com as notícias prévias. Todos os rádios de Matozinho se ligavam na transmissão histórica.

--- “Bom dia, mas muito bom dia mesmo, amigos de Matozinho, do Brasil e do Mundo! Aqui é Gari Jurubeba,montado nas ondas médias da sua Paranaporã, trazendo um balde de informações sobre o Grande Prêmio Brasil de corrida de carros, diretamente de São Paulo. Aqui tá um frio de matar sapo, parece em junho no alto da Serra da Jurumenha! Daqui a pouco vai começar a corrida e os corredores que têm mais chances de ganhar, são Emérson Fio do Padre, Clailton Vive na Zona, Josi da Xereca, Nico de Laura e Romildo Pé no Terço”.

Depois disso, Gari passou a encher lingüiça esperando o começo da corrida. Falou dos patrocinadores, agradeceu à Rádio Gazeta e lembrou que aquele feito só tinha sido possível por conta da atuação do grande prefeito Sindé Bandeira. Armado o GRID de largada, Gari percebeu a dificuldade que teria pela frente. De longe, de capacete, só aqueles pitoquinhos metidos dentro de carro preto, branco, verde, amarelo. Com chuva a visibilidade era ainda mais prejudicada. Enquanto os carros estavam estáticos, Gari com a lista na mão ainda deu uma de entendido. Dada a largada no entanto, misturou-se tudo, em meio à chuva e à velocidade. E a transmissão de Gari Jurubeba foi mais ou menos essa por duas horas seguidas:

---- Lai vem.... vruuummmm.... lai vai...... vrummmmm... Lai vem... vrummmmmmmmmmmm.... Lai vai...... vrummmmmmmm..... Tão anexo.....Vrummmmmm........ deu cangapé............vrummmmmmmmmmmm...... lai vem.......... vrummmmmmmmm... lai vai............. vrummmmmmmmmmm.... o amarelo.... vrummmmm...... o preto........ lai vem.... lai vai..... vrummmmmmmmm...

Quando terminou tudo, na bandeirada final, já exausto, Gari tomou novamente conta da situação.

---- É do Brasil ! Quem ganhou foi nosso Emérson Fio do Padre! E só podia ganhar mesmo, meu povo, ou bicho prá ter sorte é o tal do fi de padre !

De volta a Matozinho, nosso Gari foi recebido com festa pela gloriosa Banda Municipal. A cidade estava felicíssima com o momento histórico que vivenciava. Na praça, a população toda reunida esperando o retorno do jornalista, fogos riscando nos céus. De repente, a sopa de Duzentos aponta na rua trazendo o herói da raça : Gari Jurubeba. Vendo o ônibus aproximar-se um moleque grita da janela de casa:

---- Lai vem....

O povo até que se agüentou, mas quando a sopa passou, com um Jurubeba de dentes à mostra na janela, o moleque gritou para gargalhada geral:

---- Lai vai.... Vrummmmmmmmm....


J. Flávio Vieira

Traduções Cariris em imagens de Pachelly Jamacaru

Em razão deste Show Comemorativo conter a participação de vários artistas, este ENSAIO fotográfico sai com algumas fotos a mais! É uma exceção.

Sobre o Show em si eu gostaria de passar a emoção do que aconteceu lá em palavras, mas talvez não encontrasse fidelidade, então deleitem-se com as imagens, porque eu fui lá e embora fotografando, curti, babei e muito o espetáculo! A palavra é essa "espetáculo"!



















Fotos: Pachelly Jamacaru
"Direitos reservados"

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Exposição KARIMAI, de Reginaldo Farias, abre hoje no BNB-Cariri!

Traduções Cariris no CCBNB-Cariri, hoje!

Hoje, a gente está comemorando com o show TRADUÇÕES CARIRIS os anos que são 05 de atividades do CCBNB-Cariri. Abidoral Jamacaru, João do Crato, Zabumbeiros Cariris ( Amélia , Harllen, Diego, Darlan, Evânio e Luciano Brainer) e eu (Luiz Carlos Salatiel), com o acompanhamento perfeito da banda: Ibbertson Nobre (teclados), João Neto (Contra-Baixo) e Saul (bateria), faremos um espetáculo bem representativo das nossas variações interpretativas da musicalidade caririense. A partir das 19 horas, no teatro do CCBNB-Cariri - em Juazeiro do Norte, estaremos lá esperando o seu aplauso!


segunda-feira, 25 de abril de 2011

Programa Cariri Encantado Sonoridades - 27/04/2011

Conexões musicais: Ednardo, “do Pessoal do Ceará”

Expoente do Pessoal do Ceará, grupo de cantores e compositores nordestinos que baixou no centro do país no início dos anos 70, como Belchior, Fagner, Amelinha, Rodger Rogério, Teti e Fausto Nilo, - Ednardo protagonizou um fenômeno fonográfico ao emplacar o maracatu Pavão Mysteriozo na abertura da novela Saramandaia, em 1976, e virar febre democrática, fissurando tanto o público universitário quanto a dona de casa. Os antigos sucessos mantiveram o criador do pavão fazendo shows por todo o Brasil e no exterior, criando trilhas de cinema, como para o filme Luzia Homem, de Fábio Barreto.

Ednardo será o enfocado do programa Cariri Encantado Sonoridades desta próxima quarta, 27, das 14 as 15 horas, na Rádio Educadora do Cariri – AM 1020 e www.radioeducadoradocariri.com -, quando será tocado sucessos como Terral, Cavalo Ferro, Pavão Mysteriozo, Artigo 26, Longarinas, Enquanto Engoma a Calça e outros de seu extenso e importante repertório musical, que têm o poder de arrebatar o público, conquistar diversos segmentos sociais, faixas etárias, permanecendo através dos tempos, com a mesma importância artística.

A riqueza e o tempo - Emerson Monteiro


De imaginar que tantos vivam qual quem mata o tempo, o cidadão médio resolve saber o que significa tempo, viver este período quando aqui, neste chão de possibilidades, realizar o que pretende. Porém poucos reconhecem o que pretendem, no entanto. Olham dos lados, atrás, à frente, e olha as águas de vasto oceano, cheios de preocupações, atribulações e desordem. Outros, descem à profundeza do mar e encontram os lenitivos de preencher o estirão da viagem com vaidades, instintos e posses. Já, lá adiante, os que buscam ter a aceitação interna, dentro do mundo de valores e sonhos.
Conquanto alguns poucos descubram a interpretação de que vida e tempo correspondam a uma mesma coisa, pois tempo mostra a cara na saúde e nas condições do corpo, as suas decisões e atitudes levam a pensar que vida e tempo são coisas diferentes. E ignoram os resultados do que realizem.
Noutro bloco, grupo reduzido estuda, trabalha, controla os sentimentos. Graças a esses poucos heróis, o barco permanece vagando na superfície das perguntas, querendo respostas do movimento dos dias e do relógio.
A famosa corrida do vil metal, das intenções materialistas e conceitos ocidentais, contudo, conduz a história, esquecida desses valores, no salve-se quem puder da sobrevivência. Ética e os ideais viraram discursos das manobras eleitoreiras. A classe dominante dos países ocupa os palacetes da ilusão e são poucos os que, de verdade, mandam no pedaço, a gastar o suor do povo em mãos gananciosas. Notícias requentadas, no meio do tempo de televisão, entopem a consciência das gentes. O costume de fabricar bombas e balas acinzenta de gazes as folhas dos calendários. É o tempo, de novo, sendo perdido no vento. Pessoas querendo reverter a marcha dos acontecimentos com propostas pessoais e tomam a si o direito de errar, matar, sem respeito ou responsabilidade.
Por onde andaria o custo dessas ações, ninguém consegue calcular e dizer o nome dos que manipulariam os cordões políticos das manadas vagando perdidas, abandonadas à própria sorte. Depois, chegará o senhor do tempo a pedir satisfação da farra. Filas quilométricas, que vão e que vêm, catam o pão e misturam com as lágrimas. Sim, o tempo perguntará aos surdos e responderá aos mudos suas leis de Eternidade. Quem fez ou deixou de fazer, nos passos das horas, subirá, ladeira acima, qual aquele Prometeu da lenda, a conduzir, nas encostas de elevada montanha, um rochedo que escorregará e voltará ao começo, necessitando subir novamente o velho itinerário.
Há espécie de religiosidade nisso tudo. Elevar o sentido da condição humana aos níveis superiores. Esquecer o quase nada que escorrega pelos dedos e estabelece padrões maiores de compreensão às vulgaridades, que deixaram imaginar as mil alternativas e um só Deus a lhes administrar todo tempo as engrenagens.

sábado, 23 de abril de 2011

Saber acordar - Emerson Monteiro

O ânimo de viver representa a nossa cara diante das outras pessoas. Enquanto isso, bom conhecer um tanto mais das possibilidades que existem de poder controlar o nosso humor à medida que vivemos os dias e as horas. Dominar os passos que a gente vem andar. Pisar no jeito de evitar acidentes ou criar condições desfavoráveis nos gestos de plantar nossa imagem no coração dos semelhantes, essas outras pessoas. Fazer o nosso marketing particular pelas estradas em que andamos.
Certa vez, ouvi de um amigo que o freguês, dormir à noite e acordar de manhã, sem se lembrar de Deus para fazer uma oração isso parece coisa de bicho bruto, de herege que arrasta a existência de jeito atropelado, rude, batendo nas laterais da sorte, rês arrombando cerca, esquecido da concentração de suas forças nos objetivos que interessam das normas do bom viver. Já amanhece o dia trombudo, amuado, cara fechada, agressivo, procurando briga, contrariado com tudo e todos.
Há gente que numa hora está pelos pés, noutra pela cabeça. Pessoas de duas caras, como o povo qualifica. Os pacientes do transtorno bipolar, na classificação da atual da ciência. Galinhas de ovo virado, nos chistes de calçada. Não veem nem porque e aparecem trombudos no terreiro, logo cedo, querendo briga a qualquer custo, desmanchando o que construiu na noite anterior. Se o marido, se a mulher, pouco importa, sai da cama, ou da rede, caçando confusão, de cara por acolá. Nas repartições, os chefes que entram nas salas mal humorados, calados, fungando, enfezados, juntando troços, pronto a criar um incidente administrativo e levar em frente, apurar, punir. Muitos, lá adiante, dias depois, voltam arrependidos, a pedir perdão, desculpando esfarrapado, desconfiados, até a próxima situação que vierem a criar. Ô, homem grosseiro, mulher grosseira, que fere a sensibilidade alheia, meio gente, meio bicho, a mistura dos dois.
Disso, agora só cabe tirar algumas lições práticas. Saber acordar, eis o princípio fundamental dessas leis da vida. Amar a existência. Conhecer as regras da experiência, praticar a cortesia, a amabilidade na relação familiar, na boa vizinhança, aprender o tratamento com as demais criaturas. Ir expandindo o círculo aos distantes, desconhecidos; na rua, no trânsito, no trabalho, na escola, nos grupos que participar. Dividir a leveza desse costume numa sequência de ações que frutifiquem quais sementes de frutas doces nos corações ali perto de quem conviver.
Quando pessoas maltratam quem amam, imagine o que farão com aqueles que nem conhecem. Jesus ensina amar os próprios inimigos, pois os amigos já são amigos. Conquistar quem nos desgosta, eis o segredo da harmonia coletiva. Desde cedo, de manhã, ainda deitados, naqueles cinco minutos durante os quais planejamos o dia, usar a oportunidade de formular os pensamentos. Buscar o tempo bom dos sentimentos e pisar maneiro esse chão, a fim de nele colher consciente seus valores positivos. Devagar chegar lá longe e viver no tempo certo.

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Gêtsemani


Não, não transparecia cansaço nem fastio, embora a cena se repetisse há tantos e tantos anos. Apenas uma leve asa de indignação ruflava ao seu derredor. Como um moderno Prometeu acorrentado, fazia-se eterno pasto à águia do cristianismo. Parece até que ganhara a maldição da imortalidade. Ressuscitavam-no todo ano, em meio às velas, ao vinho e ao roxo da Semana Santa. No seu curto e sub-reptício reinado, fazia-se, rapidamente, senhor de uma quinta , ganhava roupas esfarrapadas, mas modernas, metia-se a cavaleiro. Metamorfoseava-se de uma personalidade qualquer escolhida entre os sempre novos e fartos Judas da humanidade e partia, no Domingo da Ressurreição, para o seu calvário particular.Até um testamento lhe seria providenciado, ele que não deixara sobre a terra nenhum legado que fosse além da pura e cristalina infâmia. Até os 30 dinheiros, levara ao santuário antes do pêndulo do corpo e do final balanço da corda.

Suas memórias, se escritas, seriam um farto material para o estudo do inconsciente coletivo. Havia, com certeza, algo de sanguinário, de sádico e tribal naquela malhação.A simples encenação daquela selvageria, no fundo, contradizia-se frontalmente com as lições de amor, de solidariedade e compreensão que terminaram por permear todo o Novo Testamento. A primeira pedra que ninguém ousara lançar sobre Madalena , agora fariseus multiplicados aos montes atiravam nele com sanha animalesca, sem nenhum remorso, sem nenhum pejo.

Neste ano, ali estava novamente no cadafalso, aguardando o desenlace tão previsível. Enquanto observava a faísca zigzagueante do estopim, teve , por fim uma clara visão do mundo que um dia abandonara pensando em se livrar dos seus demônios e fantasmas. Na verdade a turba não malhava ao Judas, mas tentava destruir as imperfeições pessoais que via nele refletidas. É como se diante do espelho, o quebrassem, por temerem a imagem horrorosa mas verdadeira que se revelaria na superfície cristalina. Nada mudara em tantos anos! Bastava fitar a multidão para ver claramente presente e cristalizado em todos os corações o veneno um dia inoculado no Gêtsemani: a indecisão de Pilatos, a tríplice negação de Pedro, a parcialidade de julgamento de Caifás, a eterna opção dos eleitores por Barrabás. Parecia claro para ele agora que não foram os filhos do Pai que povoaram o mundo, mas sim a raça de Judas. Sim, seus filhos tinham prosperado como nunca sobre a face da terra . Estavam muitos ali familiarmente reunidos, com suas fraquezas, suas indecisões e seus vícios bem à mostra : lábios preparados para o beijo fatídico, mãos entreabertas esperando, sofregamente, os trinta dinheiros...

J. Flávio Vieira

Roberto Carlos - Emerson Monteiro


Neste mês de abril (2011), Roberto Carlos inteirou 70 anos (dia 19), dos quais 50 de sucesso absoluto na música popular brasileira, com algumas incursões pontuais ao exterior, sobretudo aos países de língua espanhola das Américas. Menestrel de repetidas gerações, ele segue firme e forte, através dos espetáculos que apresenta acompanhado de músicos virtuosos, demonstração inequívoca do talento e da organização que lhe caracterizam a genialidade humana por demais reconhecida.
Escrever a propósito de Roberto Carlos contextualizaria um tempo deste País de tantas contradições e mudanças, desde os inícios da carreira, nos anos 60, quando vivíamos as notas iniciais da exceção política, às convulsões mundiais ocasionadas pela Guerra Fria, às rebeliões da juventude na Europa e ao movimento hippie espraiado pelo mundo inteiro, ainda somados os movimentos tropicalista e da Jovem Guarda, e os heróicos festivais da música de protesto; os exílios da fina flor dos expoentes musicais, o crescimento das drogas, amor livre, eliminação de líderes mundiais sob a agressividade que, impiedosa, campeou na época, a culminar no desencanto dos sonhos interrompidos e na morte de John Lennon, em Nova York.
Da cidade ao sertão, de parceria com Erasmo Carlos, em passes mágicos, gerava sucessos trazidos pelo rádio e pelo disco, e que funcionavam quais trilhas sonoras do quadro nacional, amenizando a rotina dos indivíduos. Angústias, apreensões de toda aquela juventude, encontraram eco no lirismo bem elaborado das letras dos astros pop, também abertas aos sentimentos cristãos da gente simples, marcos indeléveis do nosso melhor cancioneiro.
Os álbuns do cantor assinalam, pois, cada fase desse tempo, enquanto a vida transcorria no salão enorme das existências, aceleradas pelo progresso industrial da fase econômica. Agora, nos miados eletrônicos da digitalidade pós-moderna, em arquivos mp3 da Internet, disponíveis se acham as inesgotáveis canções de Roberto Carlos, pomos de recordação e saudades, velhas melodias que fizeram a cabeça de milhões e que desfilam atuais seus amores, suas festas, de tantas alegrias, velhos tempos, belos dias.
Aqui eu me pego a falar nisso meio sem jeito, narrando do pouco que restou das impressões motivadas pelos heróis eternos da geração e suas criações guardadas a sete capas nos baús do destino, aprendizado permitido pelas artes na ilustração das histórias do cotidiano coletivo. Então, falar na música, a divina música composta e interpretada por quem sabe produzir com extrema sabedoria, assinala de bênçãos a vida brasileira entre esses dois séculos de riqueza cultural.

Vem aí !


Baseado em história do "Matozinho vai à Guerra" de J. Flávio Vieira

Um curta de Jéfferson Albuquerque

Estrelando:

Kélvia Maia
Renato Dantas
Orleyna Moura
Cacá Araújo
Jean Nogueira
Franciolli Luciano
Raul Poeta
& grande elenco

Quando Maio chegar !

O apelo feroz dos ditadores - Emerson Monteiro

Nas recentes manifestações da África, quiseram revisar o passado e sonhar com a democracia, indo nas ruas derrubar ditadores ali postos ao peso dos esquemas diplomáticos das potências ocidentais. Nesse instante, um sintoma veio à tona que é saber do quanto os ditadores adoram comandar como nenhum outro que nunca usufruiu do poder. Almas envolvidas nas tramas da ganância, eles enfiam as unhas no lombo dos conterrâneos e agarram quais gaviões raivosos. Sugam a lama do que restou dos direitos humanos e impõem regimes de força a troco da fraqueza dos que confiaram neles e lhes permitiram chegar ao topo da pirâmide social. Nisso, exploram o produto nacional bruto em proveito próprio. Descem o malho no povo e sacodem os chãos, feitos cavaleiros do Apocalipse. Recebem armas, adquirem parceiros à custa dos aliciamentos, cedem bens vitais dos países e deflagram trágicas guerras que enchem os cemitérios e os noticiários. Escondidos nas camarinhas de palácios enormes através dos vícios e das maldades, durante passeios elaboram o discurso com que alienam as suas vítimas. Monstros apegados à força bruta, logo constroem prisões inexpugnáveis e alimentam a máquina da propaganda para manusear perversas maquinações. Ah, os ditadores, esses chicotes dos imprevidentes que lhes deixaram subir ao trono, ou facilitaram meios disto acontecer. Há quantos séculos se repetirá a cena... Peças de reposição dos impérios, negociam a safra das vidas e populações nos mercados da perdição, a troco do fanatismo imposto pelas facilidades recebidas. Quem abrir um livro de história observará essas anomalias da espécie humana, esses aleijões dos crimes hediondos. Por trás de toda guerra existirá um ditador, coringa da ignorância dos valores e dos bons princípios da paz, espécie de assombração à ordem natural das coisas, espantalho da regularidade no papel violento dos que desmancham prazeres. Enquanto isso, na velha participação e nos vários continentes, de uma hora para outra, o desaviso das pessoas, e lá estão eles de malas prontas para entrar no jogo de empurra da política. Abrir os olhos e guardar as lições será dever da cidadania, que nunca relaxe e se sujeite sem observar que, nas encostas das sombras, esses carrascos fedorentos analisam um jeito astuto de abocanhar o festim. Longe, em países afastados, maus exemplos de tiranos em queda apareceram nos acontecimentos recentes. Agora reduzidos a cinzas, mas que serviram de espinho de garganta na intenção de vender o que saqueavam das gentes que exploraram décadas a fio.
Consciência pública requer atitude, o que nem todo dia se dispõe o comodismo das massas. Contudo, depois retornam aos seus afazeres e devolvem aos terceiros seus destinos, e passam a morar em cima dos barris de pólvora. Manter a estabilidade social é bem comum, toda hora, todo tempo. Os turnos eleitorais servem de base para deter essas ambições de tais mentalidades doentias. Cuidado dobrado, pois, nas eras de calma; e trabalhem as lideranças no sentido de reger o futuro, numa construção favorável aos bons costumes.

quinta-feira, 21 de abril de 2011

Breve !















Lançamento em Maio !

Livro Infantil / CD Músicas / Audio-Livro

Uma Celebração à Mitologia Caririense


Livro/ Letras - J. Flávio Vieira

Projeto Musical :

Luiz Carlos Salatiel
Abidoral Jamacaru
Lifanco
Amélia Coelho
Pachelly Jamacaru
Ulisses Germano
Luiz Fidelis
João Nicodemos
Zé Nilton Figueiredo

Intérpretes Convidados:

João do Crato
André Saraiva
Eliza Moura
Mazé (Reisado de Dedé de Luna)
Valéria Santana ( Reisado de Dedé de Luna)
Leninha Linard
Ermano Morais
Fatinha Gomes
Coral : Mensageiros de Cristo (Ponta da Serra)
Lívia Beatriz

Arranjos:

Ibbertson Nobre

Músicos:

João Neto
Ibbertson Nobre
Bonifácio Salvador
Rodrigo
Lifanco
Golerim
Dudé
Betim


Audio- Livro

Luiz Carlos Salatiel
Fernanda Cardeal



Aguardem !

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Judas


Malhação AsSUSta ?

Pois é, amigos, contra fatos não há argumentação que se sustente. Este ano o Judas de Crato vai ser o SUS—o Sistema Único de Saúde. A eleição foi aberta e envolveu mais de treze mil eleitores, segundo notícia divulgada amplamente na imprensa regional. O SUS terminou eleito com mais de um terço dos votos apurados, vencendo os Políticos Corruptos, Muammar Kadafi, o Tsunami do Japão e os Candidatos Paraquedistas. Pela concorrência abatida nas urnas, dá para se ter uma idéia da antipatia da população para com o nosso Sistema de Saúde , já com a maioridade dos 21 anos e que simplesmente a vem decepcionando dia após dia. O descontentamento pode ser aferido a todo instante pelos noticiários: filas intermináveis, pacientes internos em macas e corredores, falta de leitos nas UTI´s, emergências superlotadas, gestantes dando à luz nas calçadas e ambulâncias. Os mais otimistas haverão de argumentar que a amostragem da pesquisa foi pequena, mas tenho a plena certeza de que o resultado não seria diferente se ampliássemos o universo a ser pesquisado. O SUS iria para o cadafalso da mesma maneira e teria seus miolos esfacelados em praça pública.

Apropriemo-nos da aura de santidade desses dias e reflitamos um pouco sobre a eleição. O resultado , claro, é indiscutível, mas merecerá, o nosso Sistema Único a pena de morte imposta pelo tribunal popular? Bem, como profissional de saúde há mais de 30 anos, sinto-me no dever de não lavar as mãos. Sei que, historicamente, o povo tem uma certa predisposição para privilegiar os Barrabás dessa vida. Não serei um Pilatos, embora corra o risco de deixarem também alguma cruzinha de sobra também para mim.

Criado com a Constituição de 1989, o SUS foi arrancado a fórceps do ventre do capitalismo. Para que se alcançasse esse benefício foi necessário que muitos fossem torturados, presos, assassinados. Nada nos foi dado, mas conquistado com sangue, suor e lágrimas. De repente, se viu o estado na obrigação legal de prover a saúde da população de forma universal e integral e, mais, tendo, necessariamente, que ouvir os ditames do povo através dos Conselhos de Saúde. O sonho, sabíamos desde então, era vultoso, imenso, quase que inatingível. Mas pela primeira vez, na história, o Brasil se via na imposição legal de assumir a saúde dos brasileiros, como nunca o fizera em quase quinhentos anos. Os avanços não são tão fáceis de se perceber, mas foram enormes e insofismáveis. Acabamos praticamente com todas as doenças de controle vacinal: pólio, sarampo, coqueluche, difteria e tantas outras patologias, sumiram da face do nosso país. As novas gerações não percebem isso porque simplesmente não conviveram com essas doenças que são do passado, hoje, por conta do SUS. A Mortalidade Infantil – uma tragédia nordestina histórica—foi reduzida de maneira drástica: cadê os enterros de anjos? Acabaram-se os indigentes, todos , agora têm acesso ( limitado, eu sei) aos exames dos mais simples aos mais sofisticados e aos tratamentos mais avançados: transplantes, cirurgia cardíaca, Neurocirurgia, hemodiálise, todos hoje existentes já no Cariri. Os medicamentos são distribuídos através das Farmácias Básica e Popular. O Programa de Agentes de Saúde e de Médico da Família aproximaram os profissionais dos seus pacientes e levaram médicos/enfermeiros/dentistas aos mais distantes rincões desse país. E, mais, criamos um imenso banco de dados epidemiológicos que facilitam imensamente as ações estratégicas de saúde. Em Crato, no ano passado, a maior causa de Morte foram as doenças cardiovasculares, em segundo as causas externas ( acidentes, homicídios, suicídios) e, em terceiro os cânceres. Estes dados não são diferentes dos países desenvolvidos.Apesar das seguidas epidemias de Dengue, não tivemos nos últimos anos um óbito sequer pela forma Hemorrágica( só este ano já tivemos três casos). Tudo isso seria impossível sem o rapazinho que vai ser malhado no próximo domingo.

Por que, então, a má fama do SUS? É preciso entender que o sonho de dar saúde integral e universal para duzentos milhões de habitantes bate num empecilho: financiamento. Cadê dinheiro para cobrir essa utopia? Verba limitada, os investimentos são alocados prioritariamente para a prevenção, o que é mais que perfeito. A área de alta complexidade como diálise, transplantes, cirurgias complexas, é cara e não pode ser limitada sob pena de se condenar um mundão de pacientes crônicos. O corte, então, foi feito justamente no setor secundário: o atendimento nos hospitais secundários. Essa limitação redundou no colapso da rede de urgência/emergência, com muitos hospitais fechando as portas e os doentes sendo penalizados todos os dias com desassistência, filas , espera, sofrimento e morte. São justamente esses sofredores e desassistidos que votaram pela malhação do grande vilão que vêem pela frente: o SUS.

Em solidariedade ao sofrimento do povo, até concordo com a malhação. Acredito que a politicagem rasteira ( pai de todos os males) é que mereceria ser enforcada, mas : vá lá ! Temo apenas pelo simbolismo. Pode passar a idéia que o melhor é matar, estraçalhar o SUS. É imprescindível não esquecer os seus avanços e a melhoria na qualidade de saúde da população. Para que tenhamos um SUS realmente eficaz , o caminho já foi descoberto. É luta! Um embate político para fazer com que o tema saia dos palanques e entre na vida real. A continuação da luta de tantos presos, mortos, torturados. E que pode ser encetado como na malhação : pelo voto livre e consciente. Colocar o pé na porta para que ela não se feche novamente para a o povo e empurrar forte para que tenhamos financiamento adequado e gestão eficiente. Precisamos do aperfeiçoamento e financiamento adequado do SUS e não da sua dissolução. Quando a bomba explodir dentro das entranhas do Sistema Único de Saúde, serão os brasileiros mais pobres que serão atingidos por suas farpas e serão eles mais uma vez que serão malhados, como, aliás, já o vem sendo há mais de quinhentos anos.

J. Flávio Vieira

Dois lados que se completam - Emerson Monteiro


Essa mania de confrontar, em tudo, por tudo, sujeita encher de tormentas o mar das embarcações, nos movimentos de tornar cinzentas as manhãs até doer nos ossos, a ponto de reverter em drama aquilo que deverá ocorrer de modo sadio, auspicioso. Insistir na tecla de viver em paz consigo e com os colegas chega a parecer teimosia, quando, na verdade, ser alegre e sonhar querendo calma muda o instinto da miséria humana, já que quase esqueceram isso jogado fora, nas ribanceiras do caminho.
Conquanto o mundo às vezes ofereça cantos de carroceria aos circunstantes, a história fala diferente e confirma sequências de acontecimentos suficientes para acreditar nos aspectos positivos, todo tempo. Quanto de heroísmo oculto nos lugares improváveis. Quanta esperança na juventude, nas escolas. Luzes acesas em noites escuras, clareando prosperidades nos céus.
Ver isto, o que a natureza equilibra em forma de organizar condições, nos momentos desencontrados. Olhar aspectos que definam o seguimento das variações, permitindo sorrir e continuar, independente das opiniões contrárias e dos desistentes empedernidos, endurecidos.
Somar pontos favoráveis; significar transposição dos obstáculos, desde que firmes os pensamentos no sucesso dessa longa estrada. Contar, sempre, com as estações felizes, que alternam viagens, no jeito dos alimentos gostosos, repousos e sonos tranqüilos nas madrugadas silenciosas, prazeres familiares e conquistas obtidas. Deixar de fixar os fracassos apenas quais dolorosas perdas, enquanto podem representar lições de esquecer e aprender os efeitos neles contidos. Ninguém, que se preze, repetirá erros dolorosos, no mínimo por instinto de conservação e amor próprio.
A religião de viver elabora, destarte, frutos na casa das consciências, livros abertos da condição das criaturas. Trazer para si dias dourados em jeito de sabedoria. Crescer sobre raízes que estabelecem passos em sentido da formação de novos seres dentro do mesmo ser. Plataformas de progresso. Visões brilhantes, portas abertas ao gosto de conhecer pessoas e descobrir amigos, nas muitas diversas oportunidades. Mundo feliz de existências. Cura de males antigos. Visualizar possibilidades a todo instante, no trabalho, nas ruas, nos pensamentos e sentimentos; estabelecer formulações de imagens mentais qual revelar o mistério da fé nos planos maiores das maiores circunstâncias.
Isto, sim, fomentar mudanças no universo dos objetos de aparentes contradições, no meio das quais circulam pessoas e instintos de satisfação, pois a perfeição dos elementos pulsa na mão tal matéria prima do desejo harmonioso de paz. Gestos e falas que elevam e jamais escondem a eterna força da criação aos protagonistas desta cena, diante do palco infinito das oportunidades, boas e semelhantes às maravilhas.