Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

sábado, 27 de novembro de 2010

Idolatria primária - Emerson Monteiro

Tanto que se dá valor a coisas irrelevantes nesta vida que ao encontrar aquilo que na verdade pede atenção ficam as pessoas meio desconfiadas, achando que esqueceram o que de importante haveria e é essencial para levar aos bolsos e dotar a vida. São os efeitos colaterais da distração impostos pelos instrumentos modernos, vícios inconvenientes da ilusão.
A realidade mesma, a que merece respeito e ocupação dos sentidos, quantas vezes deixamos de lado, o amor aos filhos, aos pais, ao marido, à mulher, ao próximo, que se tornaram assuntos vulgares, matéria das novelas sucessivas da televisão, reino vasto das emoções enlatadas...
Para onde dirigir a visão, o indivíduo cumpre determinações do mercado de consumo, até em termos de crença, que, para muitos, raia campos de mera credulidade, preenchimento das fichas do invisível a preço do imediatismo.
No entanto a fome de justiça e a fé continuam rasgando as entranhas dos tempos e dos costumes. Aceitar o desconhecido precisa de consciência, pois a dureza do solo cotidiano assim exige. Essa atitude conformista de engolir as pílulas douradas do esquecimento da realidade jamais satisfará o desejo de equilíbrio que nasce com a gente e sobreviverá para sempre nos demais.
Preencher o vazio apenas com farrapos desnecessários anestesia durante algum tempo, contudo a cólica volta mais forte na sensação de inutilidade e perda de mínimas condições de amor. Disso anda cheio o mundo, homens impacientes, angustiados e agressivos, sem responder ao para que viessem e sumiram longe na próxima curva, fora de ao menos oferecer outros meios e exemplos aos que os aguardaram, na solução dos dramas existenciais elementares.
Nesse apetite agoniado de música nova os dentes mastigaram fel de pedra e poeira, disparos sem qualquer nexo revolucionário a não ser a intenção de ferir os céus da boca das feras inexistentes da droga, no padrão oficial da vontade.
Correm pelas ruas ventos de medo na forma dos ídolos vagos de quaisquer significados. Gente complexa, desavisada no estágio das consequências do que querem, e fazem lama onde antes havia ar puro, água limpa e esperança. Isso constrange, revira de dentro as barrigas famintas de outros sonhos que não fossem tão só de desespero e temor.
Os tais batalhões de gente agressiva pelo simples gesto de ferir, vingar o que ninguém sabe quando, embalados na ira dos atores no palco gigantesco das florestas das cidades artificiais produzem massas, batatas estragadas e luas cinzentas, que ainda brilham no espaço desses turnos assustados.
Silenciosas, gerações inteiras fixam os olhos nas imagens de terras estranhas, senhores de cicatrizes e tatuagens escuras, vestes andrajosas, garras afiadas, numa praia deserta e maré de esperas insistentes. Só.
As carcaças de barcos antigos projetam suas sombras no pôr do sol envoltas nas águas verdes que estiram os dedos às várias outras estações perdidas nas praias dos mundos enigmáticos.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Castelo de cartas

Entre uma e outra partida de “Buraco”, o menino toma o baralho entre as mãos e, com delicadeza e paciência, começa a erguer o seu castelo de cartas. Os movimentos são leves e cuidadosos, em slow motion. Ele percebe, claramente, que basta um movimento mais brusco, uma expiração mais profunda para que venha a implodir sua sutil arquitetura. Findo o trabalho, o castelo ergue-se impávido, à beira da mesa, meio desengonçado, com um ar de vitória contra a efemeridade e às dificuldades inerentes ao percurso. Como na vida, a argamassa que une todas as peças é a instabilidade, ela é o fio condutor que cola as cartas, aguardando a esperada e próxima lufada de vento.
Pois é , amigos, apesar da aparente filosofia barata do primeiro parágrafo, é sobre castelos de cartas que desejo falar nesta croniqueta de sábado. Nestes dias, temos todos nos chocado com as fortes imagens que saltam da TV : uma verdadeira Guerra Civil que irrompeu no Rio de Janeiro. Carros queimados, tiroteio, tanques subindo morros, correria, confronto entre policiais, exército e bandidos. Mais de trinta mortes computadas até hoje. Como explicar que a bela aquarela da Cidade Maravilhosa teime em tingir-se de rubro, nesta semana? Tínhamos o purgatório da violência diária, em módicas prestações, que macula todas as metrópoles brasileiras. Não nos acostumamos, porém, com esta tragédia por atacado, num país que se vangloria ser isento de guerras e confrontos mais sangrentos. O paraíso e o inferno sequer imaginávamos que fossem tão fronteiriços.
Mas vamos refletir, um pouco, sobre a arte de empilhamento de cartas, enquanto as balas varam os horizontes cariocas e, como sempre, a população mais pobre se vê, incomodamente, metida no fogo cruzado. A urbanização das grandes metrópoles brasileiras foi um reiterado crime cometido contra a população mais pobre e desfavorecida. Essa classe sempre viveu próximo ao centro das grandes vilas, pois ali conseguia emprego e, pela dificuldade de transporte, sobrevivia em cortiços e “cabeças de porcos” . À medida que as cidades iam crescendo e prosperando tangiam os pobres para os morros e favelas. Alijava-os da vida urbana, sem nada lhes dar em troca. O Estado, por séculos, só subia os morros com a polícia. A única política social era a repressão. Nada de saneamento, de energia, de escola, de postos de saúde. Emebelezavam os cartões postais das cidades e escondiam suas chagas sociais em prisões, favelas, sanatórios, cemitérios. No Rio, o primeiro projeto social em uma favela já aconteceu , pasmem vocês, há menos de vinte anos. Com o aumento crescente da desigualdade social , as favelas cresceram e se multiplicaram. E hoje, à histórica ação da elite brasileira de imprensar a favela, se opõe uma reação bem mais poderosa , contrariando a segunda Lei de Newton .
Nos anos setenta do século passado, o tráfico aportou nas favelas. Foi recebido de braços abertos. Ele passou a fazer o papel que o estado brasileiro nunca fez. Deu emprego, envolveu-se em movimentos sociais como futebol e Escolas de Samba, apoiando-os maciçamente e, mais, vendendo sua mercadoria justamente à elite opressora que se repoltreava em mansões a beira mar. Esta atividade, como era de se esperar, teve enorme capilaridade comunitária. E mais: organizou-se invejavelmente, enquanto o estado brasileiro, intencionalmente mantinha-se frouxo e desorganizado para facilitar os trambiques, a corrupção desenfreada. O tráfico, como uma máfia, agiu politicamente, comprando políticos, elegendo deputados, subornando a polícia e autoridades. Claro que, como num castelo de cartas, este equilíbrio é instável e , periodicamente, desmorona como acontece no Rio agora e como ocorreu em 2006 em São Paulo que se ajoelhou sob o julgo poderoso do Marcola e do PCC.
Por que desmorona o Castelo? Simplesmente porque, amigos, existe um acordo tácito entre o Estado e o Crime Organizado, com concessões de lado a lado, favores dispensados e trocados. De repente, o Estado cai na loucura de imaginar que é dono da situação e , abestalhado, pensa que existe lei . Talvez tenha até ciúmes da organização poderosa do Crime. Aí, o vento sopra por entre as cartas e o castelo rui. Instala-se o caos, as ruas se tingem de sangue e há baixas de todo lado. Mas não há vencedores. Aos poucos recomeçam as mesmas negociações, há sessões e concessões de parte a parte e as mãos ensangüentadas começam a de novo edificar o castelo implodido. Um Mito de Sífiso tupiniquim.
Temos dois países em um só. Dois Estados: o da Praia e o do Morro. O da Praia é minimamente organizado para as classes que o apóiam. O do Morro é profundamente organizado e politizado e tem plena consciência que a sua infelicidade não é obra do acaso, da fatalidade. Lá de cima dá para observar perfeitamente os conchavos e as negociatas. O Morro tem plena consciência da instabilidade do Castelo de Cartas e sabe que as cartas foram feitas para se jogar.

J. Flávio Vieira

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Consumo consciente - Emerson Monteiro

Depois da Revolução Industrial, dois séculos atrás, que as sociedades se veem expostas aos caprichos do comércio, principal distribuidor dos bens produzidos nas fábricas. Da necessidade em vender a produção criaram-se motivos feitos pela propaganda, o que virou ciência e arte, denominada mercadologia, ou “marketing”.
A impulsão nas vendas ultrapassa regras corretas do anseio natural das pessoas, provoca faixas mentais abstratas e gera seres dependentes dos supérfluos, ou virtuais, como hoje são denominadas necessidades artificiais criadas pela propaganda.
Alguém disse certa vez do quanto são exóticas as criaturas humanas, pois gastam o que não têm para adquirir coisas de que não necessitam, visando impressionar a quem não gostam. Isso indica bem o momento da oferta e da procura, onde bilhões se atropelam no afã de alimentar ilusões estabelecidas pelas mensagens subliminares contínuas dos meios de comunicação de massa, sugando energias vitais à sobrevivência.
O gesto de comprar exercita o poder para deslocar os objetos da loja para casa, na forma de mercadorias que alimentam o sonho da dominação, atitude criada por máquinas e vendida pelas indústrias.
No entanto, também põe sob risco a vontade das pessoas, a saúde, a moral, a integridade física, tempo e liberdade. Quando, por exemplo, o consumo desperta vício de bebidas, cigarros, chocolates, há flagrante troca desonesta da saúde na doença.
Ao oferecer revistas, filmes e jornais que fazem a apologia dos objetos do desejo, algo de irreal passa a girar na personalidade dos adolescentes, o que ocasiona consequências imprevisíveis, às vezes trágicas, de resultados ainda inavaliáveis.
Porém aquilo que merece relevância na aquisição exige critérios que transformam sorte em azar, vez que milhões perdem o que disso apenas uma minoria se beneficia, no final do processo, os empresários.
Contudo, diante da onda avassaladora que só visa lucros nos balcões da atualidade, surge um movimento defensivo, provando a importância de uma seleção prévia do que se consume por instinto comercial.
O envenenamento do corpo através do açúcar, produtos químicos, aditivos, componentes químicos inorgânicos hostis ao corpo, no uso, materiais tóxicos e de fontes duvidosas acham-se sob suspeita. A humanidade precisa do senso crítico nas aquisições dispensáveis e de pouca responsabilidade para consigo mesma, cliente principal do poder mercantilista. Por isso, a consciência do que fazer cabe em todo lugar.

Uma Biblioteca em Cada Comunidade

O projeto Uma Biblioteca em Cada Comunidade foi iniciado no dia 15 de outubro, às 19h00, no Pólo de Atendimento do Bairro João Cabral, pelo Prefeito de Juazeiro do Norte Manoel Santana e Secretário de Cultura Fábio Carneirinho. Na oportunidade foi inaugurada a primeira Biblioteca Comunitária denominada de Padaria Espiritual Enock Rodrigues, com um acervo de mais de três mil livros.
“Esta será um protótipo para 19 bibliotecas que serão criadas pela Administração até o Centenário de Juazeiro. A Secretaria de Cultura pretende, até o final do ano, criar mais seis, nas seguintes localidades: bairros Vila Nova, Frei Damião, Parque Antônio Vieira, Sítio Gavião, ONG Juriti e Socorro”, enfatiza Franco Barbosa, Assessor Técnico da Secretaria de Cultura, autor do projeto.
Os livros foram doados pela Fundação Enock Rodrigues, através de Elmano Pinheiro Rodrigues. A seleção do acervo para cada comunidade está sendo realizada pela Empresa Junior da Universidade Federal do Ceará, com os alunos do curso de Biblioteconomia. Uma parte das 12 toneladas de livros doados pela Fundação será destinada ainda aos sítios Malhada e Assentamento 10 de Abril, em Crato, como também, às comunidades de Barbalha, Antonina do Norte, Mauriti e Caririaçu.
Neste sentido, Fábio Carneirinho solicita a todos doação de livros para as próximas bibliotecas, não importa a quantidade, pode ser um livro e pode ser uma caixa, ou mais. Dê um presente a Juazeiro neste Centenário.


Franco Barbosa
Assessor Técnico
Secretaria da Cultura
Juazeiro do Norte - Ce
(88) 3511 1999 - 8804 0715.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Objetos do desejo - Emerson Monteiro

Celulares, computadores, automóveis, televisores, casas, aviões, armas mortíferas, novelas e outros sonhos de consumo desta era de aço, plástico e substâncias poluentes, formam a dinâmica das horas cheias do frenesi impaciente de que quase ninguém consegue escapar, da ansiedade por novos equipamentos de uso contínuo a preços módicos, do despertar ao adormecer, viagem elétrica diária de uma antena a outra, quais voos de aranhas tontas, desencontradas. Serão máquinas incandescentes, unção dos metais com os nervos das orelhas, narinas, dos lábios, numa velocidade estonteante rumo do mesmo nada original das aventuras de antigamente.
Essa proximidade do homem com os objetos guardaria, por isso, ligação estreita do sujeito e suas vinculações junto ao mundo arredondado. Resumem os grandes filósofos tudo ser só energia em movimento, ainda que aspectos concretos imponham respeito e dúvidas, na relação com o alimento abstrato do pensamento de materialistas que querem ver ou pegar cada coisa.
A juventude, porém, questiona as cogitações simples dos filósofos. Os moços querem viver a todo custo experiências da civilização que herdaram, nos filmes, livros e máquinas reduzidas made in China. O Brasil chegou agora à marca de possuir celulares equivalentes ao tanto dos seus habitantes, em números absolutos.
Jamais a humanidade inteira atingiu tamanha capacidade física de se comunicar. No entanto o quadro preocupa o sossego e o falado progresso. Margem enorme de meios ainda representa pouco para aquietar o furor dos dramas individuais, pois as pessoas transferem às outras práticas e limitações senis do que haveremos de vencer depois, imposto do caminho da felicidade.
Nunca se fotografou tanto, se filmou tanto, gravou tanta música, quanto nesta época, e os frutos parecem não corresponder ao nível da tecnologia obtida pela raça humana.
O desejo peca na própria satisfação do enigma exigente dos consumidores, que, por mais busquem atender aos corações apaixonados, esbarram nas impossibilidades e angústias de um mundo vazio, atitudes desencontradas, guerras e traumas.
Contanto que forneçam esperanças novas, as tais maquininhas desta hora disseram muito pouco daquilo que se aguardava das matemáticas e pesquisas do homem civilizado. Há, sim, reservas maiores no desconhecido para serem aprimoradas que mostrarão o rosto de dominar os vícios e entrar na outra face da história, quando as marcas do egoísmo sumirão das telas, sombras apagadas pelas luzes da perfeição verdadeira.

Tédio enfastiado e Alegria conquistada - José do Vale Pinheiro Feitosa

No encontro das águas do Solimões e Rio Negro ambas descem paralelas com muitos quilômetros, lado a lado, sem se misturarem. Uma linha nítida separa as duas. Muito adiante as águas recebem mais afluentes e descem até se tornarem uma solução apenas.

O cristianismo já tinha vislumbrando o Amazonas: aquele em que as águas são apenas uma. A igreja com seus filósofos e teólogos é que depois inventou o batismo a partir do qual os que já eram criaturas de Deus por certo foram arrastados para um estado de paganismo para receberem o ritual de qualidade do cristão. Enfim, era o mais político dos atos: os que tomam partido têm a mesma doutrina na irmandade em Cristo.

Não era bem disso que queria falar, era um paralelo. Falo de uma família amiga. Acorda às 11 horas e faz o desjejum em estado de absoluto DIET, outros desdobramentos LIGHT e o tédio da abundância à mesa. Cremes, chapéus, e o arrastar renitente da criançada atravessando os sinais irritantes, os calçadões da salvação do colesterol e as areias mercantis de Ipanema.

Tudo farto e abundante. Dinheiro naquela escala não é problema. Nem no restaurante das 17 horas, no shopping das 21 horas, no cinema das 22 horas e o jantar da madrugada. Facilidades, climatização do veículo com barulho de pena, as câmaras de segurança do edifício e a lenga lenga se vai dormir ou ver um pouco mais de televisão. Termina o final de semana da família amiga, pois no amanhecer tem que correr atrás da grana para mais finais de semanas iguais.

No quilômetro 19 da Teresópolis-Friburgo, Hotel Cachoeira do Frade. Cinqüenta alojamentos para até cinco pessoas em cada. Pensão completa. Piscina ao ar livre e piscina térmica, sauna, toboágua, lagos com patos e carneiros, cavalos para passear, tirolesas para saltar, trilhas e um ambiente rural com serviço completo. Só precisa estar.

Um grupo imenso do subúrbio. Igreja Maranata. Uma grande excursão. Alugaram todos os quartos desde a sexta-feira à noite até o almoço do Domingo. Toda estrutura do hotel sendo utilizada. Comer até não caber mais de tanta abundância. Bebida alcoólica não, mas o resto rola de boca em boca. Namoricos, paqueras no meio da irmandade. Casais trocando amabilidades. Uma festa de imensa dádiva, tudo é sublime e fora dos padrões da vida de rotina.

Foi quando uma senhora alourada pela pintura, com a voz rouca, esganiçada, talvez aí por conseqüência e causa ao mesmo tempo daquele tom de “pato rouco”. Aproxima-se de uma mesa em que se sentam seis amigos e diz:

- Olha o relógio. Não demora a carruagem virar abóbora. Espera-me um tanque de lavar roupa e uma pia de panelas e pratos sujos.

O grupo cai na gargalhada e ela completa:

- Enquanto ainda faltam algumas horas, vamos curtindo o baile. Cinderela desfila.

sábado, 20 de novembro de 2010

Urgência da reforma política - Emerson Monteiro

A constante abordagem dos assuntos pela mídia enfraquece o conteúdo de palavras utilizadas, motivando o desestímulo quanto a matérias que, por vezes, necessitam maiores considerações e aprofundamento. De tanto se falar em determinados itens, nas pautas jornalísticas, resulta na inércia da acomodação e do costume, isso automatizando o som e o significado desses conceitos, envernizando, empalidecendo suas potencialidades.
Uma ocorrência do tipo fica por conta do falar em demasia na tão sonhada e propalada reforma política brasileira, há muito presente nos discursos e nas notícias, sem, contudo, levantar a cabeça do papel e chegar às vias da realidade real. A cada ano de eleição, falam-se multidões na carência de que o Brasil evoluirá quase nada em termos institucionais caso permanece distante a tal reforma política eleitoral.
De tanto ouvir, os ouvidos acostumam e perdem o interesse nos conteúdos entre quem escuta e o que dizem as palavras, até chegar a indiferença e acomodação das intenções de quem fala conteúdos expostos e pouco absorvidos, dada a sua profundidade virar apenas repetição de superficialidades pouco esclarecidas.
Reforma política, portanto, quer significar, acima de tanta fumaça jogada sobre sua importância, o passo inicial e inevitável para a qualificação da política, no que diz respeito à prática da cidadania plena, ou seja, o ato de votar e ser votado. Será ação fundamental para o saneamento verdadeiro das formas arcaicas viciadas de fazer política nas terras nacionais.
Somente uma boa reforma política oferecerá condições eficientes para a boa administração pública no nosso País. Através dela, dar-se-á o disciplinamento das votações, com a localização territorial das lideranças no seu espaço de influência social, evitando o perverso paraquedismo de candidatos estranhos invadirem o campo e anular o potencial autêntico das populações. Ela adotara, dentre as propostas, o voto distrital ou voto distrital misto.
E outros elementos a comporão, quais sejam, no meio de outros: A eliminação dos privilégios dos caciques, na hora da escolha dos candidatos dentro dos partidos. Eleição também dos suplentes de Senador. Aumento da representatividade, com escolhas proporcionais a todas as regiões, no Congresso Nacional. Redução da força eleitoral dos presidentes de partidos. Exclusão do foro privilegiado de políticos no exercício do mandato. Ampliação dos efeitos da chamada ficha limpa. Cortar em definitivo as regalias e mordomias dos representantes, e retorná-los à vala comum de onde nunca deveriam ter saído. Adoção do financiamento público das campanhas, com peso igual nos custos a todos os candidatos independente das diferenças patrimoniais, com o extermínio, bem na fonte, da famigerada compra de voto, excrescência e prostituição da consciência de cidadãos desavisados e corrompidos.

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Aprendizes da Vida, Operários do Nada


I

Existem poucas profissões tão especiais como a de agente funerário. A convivência próxima e diuturna com a morte , às vezes, faz desses seres figuras folclóricas, com cara de outro mundo. Poucos , porém, vêem de tão perto a fugacidade da vida e sentem como a transitoriedade da existência leva tão rápido ao socialismo final: reduzindo ao mesmo pó a ambição, o egoísmo , a miséria e a abastança do homem. Um amigo do ramo me conta das dificuldades do seu meio de vida. Primeiro, é difícil encontrar uma razão social para a empresa, pois é árduo fugir do aterrorizante, do mórbido e, muitas vezes, mesmo do ridículo. Nomes do tipo: “Funerária o Sorriso do Finado”, “Funerária Disparado para o Paraíso”, “Funerária Defunto Feliz”. Segundo, -- ensina ele -- é melhor evitar os slogans, por motivos idênticos : “Onde o Defunto tem vez” , “O defunto é duro, mas o pagamento é mole”, “Leva você ao céu e não pro beleléu”. Em terceiro lugar, -- explica ele com ar professoral-- o agente funerário deve evitar fazer visitas a doentes, porque sempre pode parecer que está ali por um escuso e misterioso interesse e o paciente poderá concluir que o volume que ele carrega no bolso, ao invés da carteira, seja a trena . Em quarto lugar, frisa o nosso fúnebre amigo, não é também de bom feitio lançar promoções como: “Pague um, leve dois” , “Compre o do sogro que a urna da sogra é grátis” e coisas do gênero. Não é de bom alvitre , por outro lado, aparecer como patrocinador de excursões, esportes radicais, etc. , já que o povo pode concluir que aquilo não é um patrocínio, mas sim um investimento. Por fim, o nosso papa-defuntos , como se desse o fecho em uma tese de mestrado, conclui: o gerente dessa mortuária atividade deve evitar falar , publicamente: “O comércio está fraco”, “Já não acontecem acidentes como antigamente”, bem como mandar brindes no Natal para os cardiologistas, os neurologistas e os mototaxistas ( decerto seus maiores fornecedores). Sempre achei esta profissão inóspita, talvez porque, como médico, ela seja uma extensão da minha e começa sempre onde meus cuidados terminam , como se fora um atestado da minha impotência como esculápio.

II

“katacumba”(este é o apelido profissional do meu amigo), para os íntimos “Katá”, me conta um caso acontecido na Paraíba. Uma funerária contratou uma doméstica de uma residência vizinha a um Hospital. Sempre que esta ouvia movimento no Necrotério, telefonava , e os agentes vinham, pronta e rapidamente, oferecer seus préstimos. O convênio vinha funcionando azeitadamente, até um belo dia, quando faleceu uma pessoa influente na cidade. A família, com previsão do êxito desfavorável, já tinha contactado uma outra Agência . Alertados pela empregada, ao chegarem ao Hospital, eis que os agentes conveniados topam com a outra funerária já em plena atividade. Abriu-se a discussão e, em pouco, as partes se engalfinharam, em meio às rosas, às velas e às orações. Os familiares do falecido correram e, quando abaixou a poeira, o resultado da batalha: alguns braços quebrados, hematomas vários e o falecido de cócoras, no canto da sala, olhando para tudo aquilo com um distante olhar de sarcasmo. Como “Katacumba “ mesmo diz: poucos conhecem tanto a alma humana como nós, manipuladores da morte e do seu séquito: hipocrisia, dor, sado-masoquismo, flores tristes e inocentes, religiosidade doentia, pérfidos interesses-- servidos em meio ao caldo, aos risos , às lágrimas e ao desespero...

III

Uma outra história ele nos narra, ainda dos tempos em que vivera em Várzea Alegre. Morrera um seu amigo em um sítio próximo e ele fora convidado para o velório. Defunto pobre e sem herança a deixar. Os colegas reunidos , como sempre acontece, passaram a encher a cara de cana, na tentativa de afogar as próprias mágoas e, também, claro, prestando uma homenagem àquele pau-d’água que se livrava do mundo. Acontece que o sítio era separado da cidade pela íngreme Serra dos Cavalos e, quando por fim, resolveram transportar o caixão para o cemitério varzealegrense, os amigos estavam todos bêbados: “mais cheios de pau que caixa de fósforo”. Na primeira rampa já não restava uma única flor por sobre o féretro. Na subida da serra, o caixão já ia sem tampa e, ao entrar em Várzea Alegre, sob o som alegre de “Alá, Meu Bom Alá...”, o finado já vinha galhardamente sentado no caixão e, jura “Katá”, por aqueles olhos que um dia o álcool haverá de comer, vinha respondendo em coro ao refrão:
--“Ô que calor, ôôôô, ôôôô...”

IV

“Katacumba” tem um capítulo só para historiar as falsas ressureições. No Sítio São Vicente aqui em Crato em pleno velório, entre uma e outra “incelença”, alguém notou que o finado que repousava na sua própria cama, como que elevava a mão por baixo do lençol . Aí o mais próximo gritou: --“Tá Vivo! ”, e foi uma debandada geral. Em pouco tinha gente passando na carreira em Nova Olinda; três trepados no mesmo coqueiro na Ponta-da-Serra e consta que até um aleijado jogou para longe as muletas que o atrapalhavam e era o pole-position na Prova de Fuga ao Defunto. Só pela manhã, um bêbado se aproximou e descobriu o estranho milagre da movimentação embaixo das cobertas: um pinto pulara do terreiro por sob a mortalha, tentando bicar algumas sementes que piedosamente pendiam das flores que circundavam o falecido.
De uma outra feita, num enterro concorrido, disserta Katacumba, o filho da falecida, debulhando-se em lágrimas, não desgrudava do féretro. Quando este já se encontrava na beira da cova, nas despedidas últimas, o rebento choroso se abraçou pela derradeira vez com a urna, inconsolável. A terra fofa do cemitério fez com que o rapaz escorregasse e o caixão, desequilibrando-se com o peso, caiu dentro da cova com rebento da finada, por cima . No impacto, soou aquele barulho grave e cavernoso, como de um surdo que prestasse a última homenagem à falecida.. Nisso alguém, impressionável, nas últimas fileiras, gritou: --“D. Maria enviveceu!!! “ Aí foi uma correria geral, tendo na frente do primeiro pelotão o inconsolável filho, que saltara da cova, num átimo, engatara a primeira e em pouco, certamente, receberia a bandeirada da vitória.
Uma outra história não menos insólita, nos traz Katá de Assaré. Uma velhinha muita cambota fora encontrada sem vida pelos familiares. De poucas posses, compraram um caixão barato, com ajuda de amigos piedosos. Na hora de pôr a carta no envelope, no entanto, notaram que era impossível: as pernas já rígidas, em forma de arco, não entravam na urna. A solução então foi cortar um pedaço da corda do cacimbão e, com ajuda de alguns circunstantes, forçar as pernas uma de encontro à outra, sob pressão e atarando-as com a corda para mantê-las assim. Deste modo conseguiram colocá-la dentro da fôrma que a aguardava para última viagem. As exéquias vararam a noite. De madrugadinha , em meio às rezas, o pedaço de corda ( já puído pela ação da umidade da cacimba) esgarçou subitamente. Aí as pernas, agora livres da contenção, pularam de repente para fora do caixão, como se a defunta fizesse menção de sentar. Foi um espalhafato, negro ganhando a capoeira, até ontem tinham feito a chamada e pelo menos três pessoas que estavam no velório não mais tinham dado notícia. Diz que um está em Canindé, um outro passou por Cabrobó e “Chico Canela Dura”, um sujeito tido como paralítico, que faz ponto na feira , telefonou ainda cansado de Marabá , avisando à família que estava indo embora: sabe Deus para onde.
V

A mais incrível estória contada por “Katá”, no entanto, é difícil de se constatar a veracidade. Segundo ele ,ano passado, a Câmara de vereadores de Belorizonte criou um imposto para os túmulos, uma espécie de IPTU post mortem. Os familiares que não pagassem, parece coisa do outro mundo, veriam seus entes queridos serem arrancados dos túmulos e recolhidos ao ossário público. “Katacumba” relata que, após um dia de intensa atividade, sentou e cochilou, no intervalo de dois sepultamentos. Teve um sonho que mais lhe pareceu uma aparição: Assistiu a uma “Reunião da Associação das Almas desencarnadas e corpos Despejados”. O conclave se passava em uma etérea paisagem e era presidida por um espírito chamado Allan. Falavam sobre a medida tomada pela Prefeitura de Belorizonte que , em pouco, com a voracidade dos prefeitos brasileiros, deveria se estender para todo o país. Caíra por terra um dos mais sagrados direitos, o do “REQUIESCAT IN PACE” . Nem mais na morte se poderá ter paz, os jazigos perpétuos passam a ser Jazigos temporários.
Alguns espíritos reclamavam dos parentes que, se já os só visitavam no finados, agora, que já tinham posto as mãos na herança, não iriam ter nenhum ímpeto em pagar o novo imposto e estariam desobrigados até daquela anual penitência. As almas mais antigas ( se é que é possível pensar em idade, nesse caso) eram as menos preocupadas, elas diziam que ninguém é lembrado depois da terceira geração, até porque poucos tiveram o privilégio de conviver com os bisavós e é quase impossível lembrar-se daquilo que não se conheceu. A união de todos no ossário municipal era ,assim , o socialismo final da natureza, a junção de todos no mesmo pó, a comunhão dos elementos : sem passado, sem história e sem vãs lembranças .
Uma alminha atarracada ralhava com os outros, dizendo tinha acertado quando solicitou em testamento a cremação, destarte ,tinha livrado o Estado e os familiares desse derradeiro contratempo , embora soubesse que suas cinzas estavam lá no sótão da casa , menos lembradas que as do cinzeiro da sala e qualquer dia desses ,certamente , seriam enxotadas numa faxina qualquer.
O depoimento mais surpreendente, no entanto, foi de um espírito andarilho que disse ter nascido no nordeste brasileiro e logo novinho abandonado numa lata de lixo por uma mãe solteira. Por sorte foi resgatado por uma doméstica que morava na Favela “Suvaco do Urubu”, em Recife. Começou cedo a fazer pequenos furtos e foi adotado pela FEBEM de onde o expulsaram com a maioridade. Passou então a trabalhar como vigia de uma pequena indústria , casou, depois de ser despejado de duas ou três casas por não ter podido pagar o aluguel; ganhou no jogo do bicho uma pequena soma e comprou uma casinha, onde passou a morar com a família . Por conta de infidelidade separou-se e , mais uma vez na rua, deixou a casa com a mulher. Viajou ao Pará, na tentativa de melhorar de vida, passou a ser grileiro, até ser expulso ( pensava ele que pela última vez) , massacrado como tanto outros em Eldorado do Carajás . Sem familiares, sem passado, estava ele ali, prestes a ser expulso de novo, como um Ahsverus onipresente, uma reencarnação de Adão, condenado à expulsão eterna do paraíso .
Katá diz, pedagogicamente, não entender porque os homens, sendo livres para tomar os caminhos que melhor lhes aprouverem, passam a vida a criticar as estradas e veredas que os outros escolheram. A estrada, boa ou ruim, pavimentada ou asfaltada , curta ou longa, seja qual for ela, enfim, inexoravelmente termina aqui , conclui ele, apontando para o Cemitério.
“Katacumba” despertou do sono, acicatado por um colega que o chamava para mais um enterro. Olhou para um céu azul resplandecente que o convidava para a vida com todos os seus gozos e marchou, pisando na terra que o tentava sorver com os seus vermes, suas lições de nada e seus mistérios...Saiu.


J. Flávio Vieira

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Nonato Luiz - Emerson Monteiro

Neste próximo dia 20 de novembro, sábado, às 20h, no Teatro Salviano Arraes, em Crato, dar-se-ão show e lançamento do cd Estudos, Peças e Arranjos, do artista cearense Nonato Luiz. Consagrado no mundo inteiro, Nonato Luiz retorna ao Cariri para reencontrar seu público em noitada musical de alto nível, como avaliaram noutros lugares os melhores críticos.
Um dos onze filhos de Pedro Luiz, agricultor, violeiro e repentista, Raimundo Nonato de Oliveira nasceu em 1953, no vilarejo de Aroeiras, município de Lavras da Mangabeira, sul do Ceará. Ainda na infância, ganharia um cavaquinho e descobriria a música através do rádio e das apresentações dos tocadores do sertão, músicos que marcariam sua vida, sanfoneiros que animavam as festas do lugar onde vivia. Aos 11 anos mudou-se com a fimília para Fortaleza. Dois anos depois, começaria estudos de violino junto ao Conservatório Alberto Nepomuceno, da Universidade Federal do Ceará, quando se desenvolveu na técnica, sendo, então, convidado pelo maestro Orlando Leite para a Orquestra Sinfônica Henrique Jorge, na qual permaneceria por dois anos. Observou, nesta fase, sua indentificação instrumental com o violão. Aprofundou conhecimentos musicais por meio dos autores clássicos, dentre eles, com destaque, Mozart e Beethoven, distinguindo sua intuição voltada também para as origens populares da nossa música, escutando Valdir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha, Luiz Gonzaga e outros intérpretes.
- Numa fase mais madura, interessei-me pelo trabalho de Baden Powell, no campo do violão popular, e Andrés Segóvia, na área erudita.
Também foi importante meu convívio com o violonista clássico Darcy Villaverde, amigo e parceiro carioca, com quem percorri grande parte do Brasil, em inesquecível turnê – afirma Nonato Luiz.
No ano de 1977, iniciou o Curso de Licenciatura em Música, também na Universidade Federal cearense, que interrompeu dois anos depois, ao se transferir para o Rio de Janeiro e iniciar carreira profissional como violonista. Das aulas, no entanto, obteve muitas informações sobre teoria musical, harmonia, arranjos e sobre outros instrumentos. Como autodidata, estudou intensamente a obra dos compositores brasileiros.
- Assim os adaptei para o violão e executei, como o faço até hoje, as maravilhosas composições desses mestres. Ao mesmo tempo, recebi deles a influência que dá alicerce às minhas composições – assegura o artista.
Nonato Luiz é ocupante da cadeira n.º 18 da Academia Lavrense de Letras, possui mais de 500 composições musicais e de 30 discos gravados e viaja noutros países a propagar o tesouro musical brasileiro, a demonstrar a qualidade do talento por todos respeitado.
Este trabalho que lançará no Cariri neste dia 20 de novembro, Estudos, Peças e Arranjos, contém seis estudos, dois arranjos, além de outras peças autorais de variados estilos, frevo, choro, valsas, sendo quase todas inéditas e algumas composições recentes.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

CARIRIANAS


SOBRE NÓS

Por Zé Nilton(*)

Recentemente peguei uma mania de ficar pensando pelas madrugadas adentro. Altas horas e eu ali matutando coisas. Antes me pegasse transido do alumbramento bandeiriano quando disse “pensando na vida e nas mulheres que amei”. Não é. Até porque, contrariando Martinho da Vila, pouco as tive. Conto nos dedos. E aqui pra nós eu não sei elas mas eu ainda hoje mantenho uma incomensurável paixão por cada uma. Ih, dirá você que “já passou, já passou”, ele continua com seus superlativos. E eu lhe direi: continuo.

Mas voltando, há momentos melhores pra gente pensar que quando nos entregamos às insônias das horas mortas? Só sabe quem se encontra no limiar da quadra perigosa dos sessenta. Estou nessa.

E assim pensando pensei noutro dia, na ante véspera do amanhecer, sobre a questão da identidade. Sobre os elementos formadores da identidade de um povo. Aí me veio à lembrança a famosa definição do termo Cariri, lida em todos os compêndios de história como sendo um qualificativo tupi, que significa – calado, silencioso –, em contraposição a outros índios tidos como palradores incoercíveis.

Para começo de conversa, após o Tupi o Cariri detém grande importância para a construção da identidade do povo brasileiro, notadamente do Nordeste. Povo numeroso ocupava grande extensão do Nordeste Central, abrangendo uma área cultural desde o norte da Bahia até o sul do Piauí, concentrando-se pelos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Só para você ter uma idéia, quando no Século XVIII inicia-se o paulatino processo de ocupação das terras do sul da província do Ceará, inaugura-se igualmente o processo de genocídio e etnocídio das populações indígenas por empresas portuguesas, paulistas e mesmo nordestinas, por um lado, e por outro por contingentes familiares à procura de terras para a criação de gado, de pedras preciosas e do enriquecimento fundiário. E no meio disto tudo as missões catequéticas fazendo um jogo dúbio entre religião e poder.

Mesmo antes da presença de entradas e bandeiras, de forças militares, de curraleiros e de aventureiros, é bom que se diga, os primitivos habitantes das terras do Nordeste já vinham sofrendo um lento processo de dizimação, mercê de guerras intertribais pelo domínio de melhores áreas para a sobrevivência. É sabido que os Índios Tapuias, como eram denominados todos os índios não tupis, tanto por estes como pelos agentes das entradas e bandeiras, habitavam primitivamente o litoral e sofreram um paulatino processo de expulsão por grupos tupi-guarani para o interior. No interior das províncias tiveram que lutar com outras tribos por locais mais amenos e urbertosos, como beira de rios, planaltos, baixios. O nomadismo indígena levou a extinção quando não aculturação e mistura com outras guildas como sobrevivência étnica.

Um momento de grande turbulência ocorreu na maior tragédia entre os índios do Nordeste de um lado, e de outro, de colonos, de posseiros, de vaqueiros, de militares e missionários na chamada “Guerra dos Bárbaros”, ou Confederação dos Cariris. A maior rebelião dos silvícolas em terras nordestinas se arrastou por quase cinquenta anos, entre 1683 a 1713, com períodos de tréguas, de menor ou maior combate. Os agentes sociais de cabo da superioridade pela força das armas de fogo, das estratégias de combate e do apoio vezes velados vezes por interpretações das dúbias leis do estado português, enfim cumpriram seu ideal, o enfraquecimento da moral indígena e sua rendição às entradas e posses de suas terras.

Este famoso levante por parte das populações indígenas, desde o Rio Grande do Norte, Paraíba e Ceará como um todo resultou numa tomada de atitude do conjunto das tribos frente ao moto-contínuo de violência, covardia, subjugação e escravidão de famílias indígenas praticados por hostes de ádvenas de todas as partes. Crônicas missionárias falam de homens brutais e sanguinários, desconhecedores de leis e de limites da condição humana, despreparados para o exercício da alteridade cujo único interesse a mover sua inteligência e bravura para adentrar os longínquos, desconhecidos e temerosos sertões resumia-se tão-somente na busca do enriquecimento.

Tribos da nação Cariri destas bandas dos Cariris-Novos participaram do levante contra os bárbaros a partir de 1713 como os Icó, os Cariri, os Jenipapo, os Jucá, os Cariú entre outras, na segunda fase da Guerra, declarada pelos índios mansos e aldeados.

A visão idílica e romanceada com a qual alguns historiadores e escritores descrevem a vida das populações indígenas não condiz com a realidade de sua permanência no solo brasileiro, principalmente no nordestino. Desde que o homem branco guiado pelos tupis domesticados e escravizados (os bárbaros) pisou em solo nordestino, plantaram uma rotina de beligerância e desassossego no seio dos povos indígenas.
Usaram e abusaram de seus adjutórios em conflitos estranhos a seus interesses, recrutando-os sob pena de severos castigos para servirem em frentes de batalhas em decorrência das invasões holandesas na Bahia e em Pernambuco, da francesa no Maranhão, da guerra dos Palmares em Alagoas, do projeto expansionista da Casa da Torre, na Bahia, das lutas de potentados familiares como a dos Monte e Feitosa (nos Inhamuns e Cariri) e, por último, em movimentos pela independência como a Revolução de 1817 e na Guerra do Pinto ,em 1832. Saibam que o governo cearense convocou os últimos remanescentes indígenas para perfilarem-se juntos às forças restauradoras em favor da coroa portuguesa.

E saibam também quer quando ainda se chamava a nossa região de cariris-novos tribos que ocupavam seu espaço eram por demais fragmentadas em função dos embates tribo a tribo e dos constantes avanços de colonos e posseiros em guerras de conquista nesses tristes vales.

E digo mais, para extirpar de vez os últimos dos moicanos em terras caririenses, já que o grosso dos indesejáveis havia sido levados a pé para o litoral, em 1790, em 1860 guarnições bélicas dos estados da Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Ceará insurgiram-se contra remanescente dos Cariri, reduzidos entre Jardim e Milagres. Foi um massacre. O escocês Gardner noticia essas pobres figuras ainda tentando sobreviver, em 1834.

É isto. Nas minhas faltas de sono estou pensando em nós. Continuamos calados, silenciosos, arredios, amedrontados... Os bárbaros estão à vista, palradores e cheios de Crato.

Está tudo certo. Não há nada a dizer.

(*) Antropólogo. Professor do Departamento de Ciências Sociais da URCA
E-mail: figueiredo.jnilton@gmail.com

Transportes públicos - Emerson Monteiro

Urgentes providências exigem os serviços públicos no Brasil, a exemplo dos transportes urbanos, que favorecem sobretudo os proprietários de automóveis, proprietários dos veículos e também das ruas todo tempo. Enquanto disparam suas bólides luxuosas e faiscantes para os lugares aconchegantes das residências e dos escritórios de lucrativas empresas, a pessoa tradicional, egressa das camadas já excluídas da grande massa humana, mofa pelas calçadas à espera dos ônibus trepidantes e morosos, na aventura pelo pão de cada dia.
Sempre falam nisso os parlamentares, no entanto as leis pouco representam dessa preocupação em termos práticos que demonstrem retorno correspondente do quanto custam os nossos legisladores dos três níveis. Notaram o drama do zé povinho dependurado, nos momentos de pico, nas portas empanturradas de gente até o gogó, sem ergueram a voz nas tribunas que traduza medidas correspondentes.
Desde que me entendo de gente vem sendo assim. O transporte público brasileiro deve séculos de respostas aos simples usuários das periferias na sua luta insana pelo sustento e pela sobrevivência, no ir e vir das cidades.
Nesse mundo a fora existem pesquisas de meios alternativos de combustíveis dos transportes, desde álcool de beterraba a energia elétrica, mesmo assim a gasolina ainda reinará por umas duas décadas. Barateando o custo de consumo por certo aparecerão chances de lembrar o operário, a faxineira, o estudante pobre, o pequeno empreendedor, no esforço de vencer distâncias.
O carro elétrico, no Japão, país limitado nas suas reservas petrolíferas, isenta de impostos os consumidores, facilitando uso e aquisição, numa possibilidade menos agressiva aos recursos naturais. A pesquisa da energia solar, outro meio alternativo, cresce todo momento, sem qualquer prejuízo ao meio ambiente, energia renovável e limpa.
Quando adotadas outras fontes energéticas, o petróleo achar-se-á liberado para novas aplicações durante a civilização tecnológica destes tempos petroquímicos.
A expectativa por isso de usar com mais racionalidade os instrumentos oferecidos pela natureza bem que pode somar elementos ao espírito dos governantes, no sentido de olhar a grande população em seu amplo aspecto. Será o que exige a democracia das ruas, livre de ver os índices populacionais qual peças de manobra e lucro das multinacionais, ausente de critérios justos no trato organização política.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Eufrazino na Montanha Russa

Eufrazino contemplava o mundo por sobre as pilastras dos seus cinqüenta anos. A estrada estava bem mais curta para adiante do que para trás, talvez , por isso mesmo, aquela mania de ficar olhando a vida pelo retrovisor. O passado aparecia cada vez mais brilhante e promissor no seu cristalino já meio embotado pela catarata. A vida parecia-lhe aquilo mesmo : semeamos, semeamos, mas os frutos vão sempre se oferecer opimos no pomar do vizinho.
Tempo ! As verdades se refaziam a cada instante, como num caleidoscópio. De nada adiantava aquela frase puída, rota, áspera : “No meu tempo, meninos, era assim... “ Esta experiência apenas a ele dizia respeito. Era como se prescrevesse, hoje, um Capivarol para um enfarte do miocárdio; como se tentasse rodar um Blue –Ray na vitrola a manivela. Os filhos tinham vida própria, seguiam estradas por ele mesmo trilhadas, a despeito dos conselhos, das conversas. Os namoros , da praça haviam se transferido para os motéis ; o “esquentamento” agora carregava o nome de HIV; a eternidade dos casamentos media-se nos apressados ponteiros dos segundos; a virgindade transformara-se numa espécie de ararinha azul; os porres ganharam status de “viagens”: heroína já não era necessariamente o feminino de herói e craque não designava mais apenas o super-atleta. Tempo !
Eufrazino molhou-se daquela solidão única. Já não possuía xarás. Quem diabo ia impingir um nome esdrúxulo daqueles num filho, num mundo cheio de Daniéis, Andrés, Tiagos, Lucas, Matheus ? Eufrazino ? Mesmo que surgisse num descendente um Eufrazino Neto, sabia que lhe seria dificílimo carregar o peso . Ele seria certamente minimizado por um prenome mais palatável : quem sabe Ygor Eufrazino ? Assim, ao menos, o inocente teria a possibilidade de mimetizar a piada e assumir-se definitivamente como Ygor. Onde andavam aqueles costumes tão comuns na sua geração ? A fuga de namorados para forçar o casamento ? Os matrimônios feitos à força, no casa ou morre? As águas que lavavam a honra das moças que caíam em tentação, para que rios agora correm ?
Tempo! Há pouco vira a esposa entregar às quatro filhas preservativos com detalhadas explicações sobre o uso. O namorado da filha, nos fins de semana, dormia com ela, no mesmo quarto, na sua casa e isso tranqüilizava a todos: não estavam na rua expostos a violência nossa de todos os dias. A mais velha tivera um produção independente e mesmo com a insistência do namorado, negara-se a casar. O neto estava agora com os avós e era a alegria da casa. Eufrazino sabia , perfeitamente, o quanto tinha sido importante para sua formação as experiências vividas e passadas pelos pais, mas agora tinha a clara percepção que todas precisaram de upgrade. Não dava para contemplar a paisagem contemporânea com as pupilas do passado. E, como numa montanha russa, a velocidade das mudanças é estonteante. Lembra bem que há bem pouco dissera à filha mais velha:
-- Pode namorar como quiser, mas transar, só depois do casamento!
À segunda,poucos anos depois, já facilitara um pouco:
--“Filha, pode transar à vontade, mas não esqueça da camisinha, viu ?”
À terceira, dois anos depois, já precisou uma maleabilidade maior:
-- “Filha, não me preocupe que você transe, sei que sua geração é assim mesmo, quebrou todos os tabus, mas a privacidade é uma coisa importantíssima, é a nossa única fronteira! Te peço uma coisa, só, por favor, não filme a transa e bote no You Tube! “
Semana passada, diante da última filha, chegando à adolescência, Eufrazino, finalmente, tranqüilizou-se. Ufa! Basta de tanto upgrade! Vendo a menina sair, toda produzida para uma festa rave, suplicou:
--- Tudo bem , Georgina, divirta-se! Mas vou te pedir uma única coisa, filha. Sei que vai rolar o maior barato, a transa vai ser geral e sei também que agora, depois desse Big-Brother vocês vão filmar tudo e colocar no You Tube. Pois bem, filha, que seja , o rala-e-rola pelo menos com um homem, viu ?

J. Flávio Vieira

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Livros são espelhos - Emerson Monteiro

Ao ler lemos a nós mesmos através da projeção da visão e identificação, nas páginas escritas, projeção dos nossos conteúdos pessoais, pensamentos, cultura, conhecimento recolhido no decorrer do tempo. Vem daí a importância inigualável da leitura como fonte reveladora do Ser, quando revemos o que dispomos acumulado em nosso interior, recordando coisas aprendidas, movimentando reservas em nós depositadas nas sombras do passado que existirá sempre na mágica indestrutível da consciência individual. Dessa consciência que, ela que junta de si nos outros, forma bloco único e eterno das coisas resultantes o que se revolvem no ato de ler as quais, juntas são denominadas inconsciente coletivo, nada mais sendo do que a formulação universal da Luz original imensa da natureza maior.
É uma moeda que revela seus dois lados em apenas um só lado único, pois. Inexistirá divisão nesse padrão de todas as manifestações em consonância, representadas em face única e particular, o singular do que antes se supunha uma pluralidade infinita e múltipla. Milhares de faces de todo único individual, indivisível. Tudo e todos em um só e único, mesma face da moeda solitária a percorrer o cosmos em viagem sideral através das inúmeras consciências do único formato, entre si interligado por fibras internas da primeira essência.
Ler, portanto, percorrer a face de dentro do conhecimento em elaboração no lado íntimo das individualidades, atualiza essências anteriores da mesma face em novas revelações, constatação original da vez primeira em retorno às vezes outras que se repetem no ser individual-plural, no bloco indivisível de cada ser. Ato de procurar e encontrar a um só tempo, qual ente que desloca seu foco de consciência através da mesma rede imperecível que nasce da fonte perene do ser-conhecer em ação permanente.
Quando lemos, por isso lemos a nós próprios. Atualizamos causas primeiras e consequências posteriores da elaboração de pensamentos e discernimentos, configurando, outra vez primeira, as reações secundárias do que já foram ações primárias, nas letras, palavras e sentidos das novas edições do ato único de compreender que confronta a nós próprios.
Nesse processo da comunicação, as consciências se refazem muitas infinitas vezes, pelos seus próprios atos, no mistério persistente do ser em constante vir-a-ser, resistência, continuidade suspeitada de sobrevivência dos valores da unicidade nas coisas que se sucedem pela essência primeira, na continuidade de tudo em um foco perene, manifestado nas horas diversas e em imagens fragmentadas de futuro aparente, ilusões de particularidades que resultam das imagens únicas em movimento, porém indivisíveis, da mesma e só uma consciência do momento presente em cada lugar do imenso si mesmo todo tempo, e em cada um dos indivíduos atores, através dos quais se manifesta, portanto.
Nisto desvanece o princípio arcaico da multidão de subjetividades e se desvela o conceito pleno da indivisibilidade primeira e eterna do Uno, ser causa cáusica de tudo, Ser essencial, motor dos primeiros postulados, de quem derivaram todas as pretensões anteriores do dois manifestado e também existente, face dupla do Ser criador vivendo em nós, no entanto sem divisão.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Exercícios físicos - Emerson Monteiro

Resolvi, desta vez, juntar alguns elementos de atividades físicas, com isto lembrando o gosto necessário pelo viver com saúde e tranquilidade, sem os remorsos da acomodação física sedentária.
Nem só de pensar vive o ser humano. As caminhadas vêm sendo consideradas ideais para pessoas inativas. Caminhar, no entanto, unido a uma alimentação saudável, que pode emagrecer, reduzir calorias e controlar o peso, pondo mais vigor nas pessoas, pois atividade oxigena o cérebro e libera substâncias tóxicas, além de aflorar a endofina, denominada hormônio do bem-estar e das sensações do prazer. Isso traz disposição e maior animação para viver.
Já as corridas cabem em todos lugar, rua, praia, esteira ou parques. Roupas próprias e calçados adequados tornam a atividade física das mais saborosas, trazendo reservas de saúde e satisfação, prevenção e resistência. Um provérbio chinês receita para a vida harmônica “Comer só pela metade, andar o dobro e rir quatro vezes o que se costuma fazer.”
Na simplicidade das caminhadas, no entanto, cabem algumas recomendações. Começar a correr após avaliação médica do estado físico através de consultas com um ortopedista e um cardiologista, revelando a intenção de praticar exercícios regulares. Ser honesto consigo mesmo e com os outros, para evitar surpresas de última hora, o que sujeita precisar de exames complementares que avaliem a disposição e o nível do corpo.
Depois, há outros utilitários da movimentação constante dos órgãos motores. O uso da bicicleta, por exemplo, eis outro esporte completo. Os efeitos de pedalar oferecem resultados positivos, evitam riscos e quase não têm contra-indicações. Os pedais oferecem a frequente queima de calorias, definem o abdômen e os músculos das pernas, panturrilhas, coxas e glúteos.
Ainda existe espaço para falar de outra prática aeróbica de importância, a natação merece classificação de um esporte completo, porquanto aciona a musculatura sem exigir impacto e movimentos bruscos na água. Indicada desde a infância, auxilia o desenvolvimento dos órgãos, aumenta a capacidade respiratória, ocasiona resistência a doenças, alergias, e acrescenta as imunidades. Os seus praticantes chegam a perder até 600 calorias por cada uma das horas trabalhadas, enriquecendo músculos, definindo a silhueta, melhorando respiração e coordenação motora.
Desta forma, o interesse nas ações físicas soma entusiasmo e saúde aos afazeres diários, neutralizando o ritmo mecânico dos tempos atuais.

domingo, 7 de novembro de 2010

A beleza feminina - Emerson Monteiro

Sou marcado pela estreita participação da presença feminina em volta de mim, isso desde que me entendo de gente. São elas pessoas agradáveis, inteligentes, espíritos fortes nas ações e nos sentimentos, dignas do meu carinho e respeito. A começar por minha santa mãe, a professora que abriu as portas do pouco que realizo e vivencio ao longo desta caminhada, e permanece conosco para alegria dos filhos. Minha esposa, que admiro pela dedicação nos encaminhamentos da família e divisão das tarefas diárias. Minhas três irmãs, amigas que Deus me permitiu e de quem preservo a amizade como um bem raro e valioso. Minhas três filhas, as luzes que orientam as estradas por vezes sombrias, inspiração preciosa dos deveres e sonhos. Todas estas pessoas que transitam ao meu lado, que vieram chegando dentro de um ritmo e no instante ideal, formando figurações que só de lembrar me emociono.
A isto somo as amizades que estabeleço sempre, nas passadas e dos anos, leito de encontros e desencontros permanentes na existência. Vejo, pois, a mulher qual ser de valor especial em face da ligação interna que mantém com a origem primeira dos elementos, linha direta para o inconsciente, intuitiva, de sexto sentido bem aflorado nos mistérios da natureza representada pelo elemento religioso de Maria Santíssima, a mãe de Jesus, importante símbolo da religião dos católicos.
Assim, sob tais considerações, quero tecer algumas linhas mais quanto à responsabilidade coletiva, nesses tempos contraditórios, em relação à soberana importância do reconhecimento do papel das representantes femininas para equilibrar com justiça o universo das atitudes humanas.
Abomino sobremodo a incapacidade comum para descobrir as medidas desse convívio, no modo primitivo de levar a brutalidade ao espaço ocupado pelas mulheres, peças-chave da sociedade, a ponto de existirem delegacias policiais só destinadas a defendê-las, quais sendo de espécie nociva, invés da matriarca dos clãs e da civilização.
Sem cogitar dos costumes bárbaros da prostituição infanto-juvenil e dos assassinatos, estilo animalesco de abordar as necessidades do afeto, impondo leis selvagens aos relacionamentos, pior do que agiriam feras e celerados dementes.
Por tudo isso, há muito para cumprir da parte desta humanidade no trato do seu aspecto feminino, déficit este vinculado de perto ao desassossego e aos dramas de que se sabe e quase nada promovemos para evitar.

sábado, 6 de novembro de 2010

O flagelo das drogas - Emerson Monteiro

Há poucos dias, ouvi algumas palavras de uma amiga que sofre o calvário de ter um filho viciado em crack, essa droga de consequências danosas para o futuro do usuário, formada a partir da mistura de cocaína e bicarbonato de sódio. Em depoimento dos mais sinceros, narrou o transtorno gerado na família por conta de hábito que vitima expressiva margem da juventude nos dias atuais. A agressividade e o instinto liberados na abstinência do produto ocasionam cenas de profundo sofrimento a todos, dentro de casa, reações impetuosas apenas contidas na reutilização da substância, causando nisso gastos imprevistos e situações de desânimo e infelicidade.
O testemunho presenciado faz coro com as centenas, milhares, de outras histórias espalhadas no mundo inteiro. A faixa dos atingidos pelo mal se prende às classes de menor poder aquisitivo e que provem de outros grupos de dependência do álcool e outras drogas, desajustados sociais, moradores de rua e ex-sentenciados.
Nota trágica dos tempos industrializados e cidades massificadas, a droga invade o âmbito por vezes despreparado de órgãos responsáveis pela saúde pública em graus jamais previstos, neste modelo de civilização hoje adotado. Calamidade perversa, destrói a autoestima de populações inteiras do exército de reposição da mão-de-obra do sistema, ocasionando surpresa e impossibilidades.
Por causa dos estalidos que as pedras provocam quando acesas, parecido com coisa sendo fragmentada, recebeu o nome de crack, que significa quebrar, em inglês. A fumaça desprendida pela queima atinge o sistema nervoso central em dez segundos, absorvida pelos pulmões, para gerar efeito de três a dez minutos de duração. Forte euforia, seguida de profunda depressão, condiciona quem dele se utiliza a repetir o processo, querendo, com isso, neutralizar, a duras penas, o desgaste orgânico, daí a rigorosa dependência que constrange suas vítimas escravizadas. De comum, gera também alucinações e ilusões de perseguição, ou paranóia, conforme diz a ciência.
Desenvolvido nos Estados Unidos, nas classes menos favorecidas, o crack apresenta o menor índice de recuperação de viciados entre todos os entorpecentes, enquanto que o usuário é considerado enfermo de uma doença adquirida. Além disso, em geral os familiares não possuem condições financeiras de custear tratamentos mais sofisticados em clínicas particulares, e os países ainda se debatem sob o despreparo no atendimento oficial daqueles que se submetem à química destruidora.
A propósito dessa mãe com que conversei sobre o assunto, em face da dor que no momento lhe constrange, ela recorre à força poderosa da religiosidade para encontrar conforto em meio do martírio. Isso fez com que eu apenas silenciasse, em respeito ao mistério que a isso tudo envolve nesta vida.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

A Aquarela e Sofia - José do Vale Pinheiro Feitosa

Sabem que ela é tão brasileirinha. Com três anos daqui a dois dias e carrega o diminutivo com tanto carinho que me lembra Vinícius de Moraes. E deixa quem ao lado se encontra em estado confuso: se o infinito o é, como imaginar um olhar que o contemple? Mas Sofia consegue.

Quando pronuncia é “quinininho” a palavra pequeno reduzida ao seu mínimo carrega a imagem do infinito. Ela põe o espírito além do infinito que afinal é a sede do pensamento e do conhecimento. Esta menininha tão “quinininha” tem amplitude de raio muito mais ampla que as jornadas vincadas destes anos vividos. Vividos como chama a esgotar seu combustível no recipiente a si dedicado.

E não chega até este vídeo de computador sem que diga: eu quelo quelela! Bota quelela vovô! Quelela! Quelela! Vovô já aprendeu a falar, já compreende a linguagem da emoção daquele ser tão amplo: busca nas pastas e aponta a seta para a música Aquarela de Toquinho e Vinícius.

E pode ficar a eternidade que ela repetirá a mesma tantas vezes quanto no mundo permanecer. Desenhando sóis amarelos e com cinco ou seis retas um castelo. Os olhos brilhando como estrelas duplas e o rosto coletando néctar como uma borboleta de meiguice. Atenta ao lápis em torno da mão que lhe dá uma luva e os dois riscos com os quais tem um guarda-chuva.

Sofia não tem um olhar para os lados, toda a sua atenção é como um pinguinho de tinta no azul do papel e a linda gaivota a voar no céu. E o avô também apenas para ela e vai voando, contornando a imensa curva norte e sul, entre o rosto imerso no mundo maior que as necessidades materiais e a tradução desse pequeno barco a vela, brando, navegando tanto céu e mar.

A mão “quininha” dela se levanta como o poderoso superar da gravidade de uma massa imensa de metais e vida. Entre as nuvens vem surgindo um lindo avião, tudo em volta colorindo com suas luzes a piscar. E o avô embarca nesta viagem, basta imaginar, e com ela partindo, serena e linda e se ela quiser volta a pousar. Sofia parece compreender o poeta criança com seus sonhos de adulto, num navio de partida, com alguns bons amigos, bebendo de bem com a vida...De bem com a vida....

A aquarela continua a criar situações e com ela Sofia. Pulando de uma América a outra num segundo e num simples giro, que ela repete com o rostinho virado para o alto e para baixo, num círculo que faz o seu mundo. Ela ainda não entende o muro que nos separa do futuro, ela é um contínuo sem qualificativos. Mas abre um sorriso para quando Vinícius disse que o futuro é uma astronave, ela gosta do foguete e do fogo que o impulsiona e não especula. Não pergunta sobre aquilo que angustiava o poeta: o que não tem tempo, nem piedade, nem tem hora de chegar, sem pedir licença.

Sofria está no curso do pleno que a vida social nos tira. Gosta da imagem da estrada infinita, mas não imagina o fim dela. Sobretudo imagina uma linda passarela de uma aquarela que não descolorirá. E diz: de novo! Quelela, vovô!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A solidão vive no interior - Emerson Monteiro

Encontrar o jeito de viver chega às raias da impertinência, por causa da agitação de carros e multidões que lotam as capitais e cidades maiores, trazendo essa alternativa de permanecer no interior um jeito novo de organizar o mundo e encontrar a forma de sobreviver nos matos do sertão.
A década de 50 do século que passou existia no modelo econômico brasileiro que representava maior quantia habitando a zona rural. Depois, com a urbanização e a industrialização galopantes das duas décadas posteriores, 60 e 70, o bucolismo do interior para muitos perdeu o charme e o pêndulo trocou de lado, enchendo de gente as metrópoles que agora lutam sobrecarregadas e gritam por socorro a qualquer custo.
Os moradores dos lugares maiores, São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, Recife, Salvador, rezam pelas saídas honrosas de não largar a história de suas famílias e seus portos de fixação, sabendo, no entanto, que iniciar noutros cantos significaria espécie de exílio territorial.
Há um surto de apreensão nesse sentido. Os governos penam ocupados diante dos graves problemas das megalópoles, cercados de argumentos do quanto o enigma urbanos supera a capacidade imediata das soluções. O trânsito reduziu-se a níveis aterrorizadores de velocidade, com horas e horas de retenção nas filas intermináveis de automóveis, observados pelos marginalizados do sistema e seus olhos de lince, com a segurança e os vícios pecaminosos além da monotonia das paisagens fumarentas e mórbidas. Quando há praias, os finais de semana ainda alimentam o sonho do infinito, na linha do horizonte e sóis monumentais, a falar esperança nos dias melhores que virão nas abas da natureza. Poetas de plantão, sonhadores, mergulham nas telas incendiadas dos televisores, da mídia e fnos computadores maternais, nas horas domésticas enclausuradas.
O interior dispõe, quem sabe até quando?, do sossego entre descampado e paredes, porém parecidos nos termos humanos e suas limitações de qualidade, ainda diante dos fluxos migratórios que despejam cultura industrial nos cérebros assustados.
Quer-se, no entanto, contar da solidão silenciosa possível quando inexistem vizinhos neuróticos e sons malucos a toda altura, nos bares, fundos de carros abertos, porres medievais das tardes vazias, impaciência das ruas que invade as horas nos becos escuros da velha saudade social.
Falar nisso enquanto é tempo, dos outros modelos permitidos pela criatividade. Espécies de retorno ao campo, vez que antenas existirão mesmo assim nos distantes lugares, telefones, transportes, escolas, energia elétrica, saúde. Estudar meios diferentes de fugir das cidades sem precisar viver os pesadelos de fora, nisso acham-se os caminhos administrativos da saída, já que se experimentaram os dois lados da moeda e sabe o peso de cada um.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Intuição do Direito - Emerson Monteiro

No próximo dia 11 de novembro, às 20h, no Auditório da RFFSA, em Crato, dar-se-á o lançamento do livro Intuição do Direito, de autoria de Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto, advogado que milita com êxito na região do Cariri.
Trabalho elaborado com dedicação, traz conteúdo voltado à filosofia do direito sob o prisma da origem das suas primeiras instituições, com ênfase para o espírito da conformação das pessoas ao mundo social em que vivem e ampliam as normas e suas aplicações.
Sabe-se que o direito advém dos costumes, da jurisprudência, da lei, dos atos jurídicos, dentre outras fontes primárias, porém antes de tais fatores existe a pessoa humana e suas manifestações internas, fonte originária da consciência subjetiva dos acontecimentos e negócios. Com o propósito de avaliar esta área das causas antecedentes do direito, Jorge Emicles produziu uma obra digna dos melhores tratadistas, posto a público neste universo regional palco do lançamento deste seu primeiro trabalho editorial, publicado pela BSG Bureau de Serviços Gráficos.
Capítulo a capítulo, acercando-se das representações essenciais e inseparáveis do pensamento jurídico, em cada momento da epopéia investigativa do direito, o autor firma bases estruturadas de encaminhamento das suas ideias, em sólidas passadas investigativas. Revela consistência nos traços que soma ao quadro do pensamento contemporâneo, em linguagem fluente e dinâmica. Seguro na faina a que se propõe, considera as instituições, os valores, a norma, conceitos, métodos de produção, interpretações, sempre de olhos postos no desenvolvimento da doutrina que abraça e converte numa atitude digna dos mais experientes escritores, sem ficar a dever no gesto inovador.
Seu dizer por si só cativa, sobretudo comparado ao dos compêndios vistos nas ocasiões áridas de escritórios e gabinetes, no ritual fechado da linguagem técnica. Bom estilista, cuidadoso e econômico no uso da terminologia desses redutos fechados, se joga de corpo inteiro na seara dadivosa que lhe afeiçoou e onde instala seus novos predicados.
Numa feliz demonstração do quanto a comunidade acadêmica regional possui de valores e potencialidades, este o livro é ponto inicial para deflagrar o surgimento de novos autores e atualizar estudos profundos do direito, pródigo em avanços e aberto às revelações do saber universal, com amplas possibilidades para aproveitamento da matéria-prima de que dispõe.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

A emoção da arte - Emerson Monteiro

Visitei o Salão de Outubro do Crato em sua sexta edição, ora sob a coordenação da artista plástica Edilma Rocha, que lidera equipe de pessoas identificadas com a iniciativa, gerando resultados de sucesso.
Numa grata surpresa em termos da qualidade das obras expostas de autores inclusive de outros estados brasileiros, vivi de perto a emoção da boa arte que toca o sentimento e transcende as coisas só físicas e materiais. Nos trabalhos oferecidos aos olhos dos visitantes, pinturas a óleo, aquarelas, técnicas mistas, esculturas, há um passeio pelo mundo da eloquência visual, nestes tempos de tanta tecnologia e indústria, grafismo e mercado de produtos e consumo, velocidades, rumores, vídeos. O clima ocasionado pela arte clássica de telas e objetos trazidos à mostra propicia viagem aos campos das galerias e dos museus que consolidaram o vigor da história da Arte.
Na galeria da RFFSA, em espaço organizado com esmero, senti a força que tem Edilma e seus sonhos das artes plásticas, frutos do talento e da herança familiar que, no Crato, garantiu lugar de destaque na pintura e na fotografia, legenda reconhecida noutras terras, legado de algumas gerações iniciado com o avô Júlio Saraiva, e prosseguiu através dos seus genitores, Edílson Rocha e Telma Saraiva.
Cabe a mim isto de reconhecer aqui o carinho e a dedicação ao VI Salão de Outubro demonstrados por quem este ano o conduziu. Em duas edições da mesma mostra, nos anos de 1977 e 1978, participei de sua organização, juntamente com Luiz Karimai e outros artistas, com exposições situadas no então Parque Municipal, hoje Praça Alexandre Arraes.
O Salão de Outubro deste ano corresponde, pois, em tudo por tudo, ao bom nível das mostras anteriores, reforçando, nesta fase de revitalização depois de algumas décadas, o ímpeto artístico da comunidade cratense dentro do universo rico de criatividade e das produções culturais da Região caririense.