Aos que virão!

Quer queiramos ou não, os mitos alimentam os nossos sonhos e justificam a nossa existência.
Este blog reverencia os mitos deste nosso Cariri Encantado.

sábado, 31 de julho de 2010

Luiz Karimai transcendeu!

Nos irmanamos em luto.

Por volta das 15 horas desta tarde ensolarada, o nosso mais querido e iluminado artista Luiz Karimai desencarnou. Que todos nós, família e amigos, saibamos nos confortar pelo legado que nos deixou o artista e o homem sábio que foi durante todo o tempo que esteve entre nós.

Crônicas de uma geração: o Bar de Abidoral

O "barman" Abidoral e Salatiel, o mentor do espaço
O Abidoral em questão é o mais conhecido abidoral do Crato: Abidoral Rodrigues Jamacaru Filho, cantor e compositor, projetado a partir dos festivais de música que aconteceram na cidade por toda década de 1970.

Pois bem, Abidoral já teve um barzinho, em sociedade com o também músico cratense Calazans Callou. O bar durou pouco, acho que no máximo um ano, mas propiciou momentos aprazíveis e boas e risíveis histórias.

Era 1985, um ano bom. Abidoral foi incentivado por Luiz Carlos Salatiel a ser um empreendedor. Calazans, que na época trabalhava no Bamerindus, topou dividir os duros afazeres deste complicado ramo comercial. A ideia de Salatiel era pragmática: como era impossível sobreviver de música no Cariri naqueles anos da chamada “década perdida” da economia brasileira (permeada de inflação, pacotes heterodoxos de choques econômicos, falta de incentivo à cultura, inexistência de espaços e mercados para o artista local etc), então o jeito era construir uma alternativa que aliasse negócio e diversão. Um bar, por isso, seria o empreendimento ideal.

Calazans, que conhecia os distribuidores de bebida da região, conseguiu o fornecimento de forma consignada. O espaço escolhido foi o Bar das Anas, como era conhecido o bar mantido por Ana Cássia e Ana Leonel, que estavam deixando o ramo, localizado no conjunto Padre Cícero, bem próximo da divisa Crato-Juazeiro.

Para a rapaziada que estava órfã de um point alternativo, foi um presentaço. O local era super-agradável, bastante ventilado, amplo, visto que havia um terrenão baldio ao lado, e muito acessível. Aqueles que não tinham automóveis, que era a grande maioria, bastava pegar o busão da Viação Brasília e saltar na porta do bar.

O nome do bar não poderia ser outro – Bar de Abidoral – batizado que foi pelo senso comum da galera. Nem adiantaria colocar, por exemplo, “Espaço Cultural Avallon”, pois não pegaria. A rapeize prontamente dizia: vamos pro Bar de Abidoral, e pronto!

Além da bebida e do peixe frito, o outro principal prato da casa era, lógico!, música: refinado som ambiente e excelente música ao vivo. Todas as sextas e sábados, um espetáculo. Foram antológicas, por exemplo, as apresentações da Banda Cariri (leia-se João do Crato, Manel D’Jardim, Cacheado, Cleivan Paiva, Borís, Nivando, Paulo Lobo e Iran, respectivamente no vocal, baixo, bateria, guitarra, baixo, sax, trombone e piston).

Na parede externa, o pintor Romildo Alves fez um painel retratando as figuras que frequentavam o bar: artistas das mais diversas especialidades e os contumazes boêmios. Além, é claro!, de Abidoral, imagens caricaturizadas de Geraldo Urano, a la filósofo grego, e Zadinha, retratado de véu e grinalda. Zadinha, apelido do artesão Osvaldo Filho, foi a noiva da única e inesquecível quadrilha junina que o Bar de Abidoral realizou. O noivo foi Monquinha Cabral.

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Emancipação de Ponta da Serra no Cariri Encantado-Protagonistas!


Dentro do nosso programa Cariri Encantado dessa sexta-feira, 30 de julho, o tema "Emancipação de Ponta da Serra" será defendido por um grupo de cidadãos filhos do distrito que pretende libertar-se politicamente da sua cidade berço, o Crato.
Desde os anos 90 a questão provoca debates acalorados e, como aconteceu na última edição da revista "A Província", mereceu um artigo do editor Jurandy Temóteo esclarecendo sobre as perdas que advirão para o Crato se o intento for concretizado.
Os dados estão lançados!

Encontro Marcado:
Cariri Encantado - Protagonistas!
A partir das 14 horas nas ondas da Rádio Educadora do Cariri, 1020 khz
Parceria: Radio Educadora do Cariri e Oca-Officinas de Cultura, Artes e Produtos derivados.
Apresentação: Luiz Carlos Salatiel

Luz

Desde tempos imemoriais já se apregoava : a sala de visitas é o coração de uma casa. Receber bem, recepcionar, sempre se mostrou muito mais arte que técnica. Com a explosão da atividade comercial , hoje já englobando campos virtuais, impensáveis em tempos passados, a sutileza no receber, no acolher, percebeu-se ter uma íntima relação, não só com o fazer amigos , mas também fidelizar clientes. A arte do acolhimento bebe no riacho da sedução. Quem recepciona, assim, deve carregar consigo segredos de diplomata, técnica de dança do ventre, sutileza de gueixa, paciência de monge. Imaginem, então, caros leitores, quando o recepcionista encontra-se ao largo do portão da vida e tem a grata função de fazer adentrar todos numa imensa morada chamada terra ? Pois , esta é a nobre função dos obstetras, dos parteiros : entreabrirem um mundo prenhe de possibilidades e desafios para a vida que explode no vagido de tantos bebês atônitos com a luz incandescente e ofuscante do novo, do belo, do misterioso. Poucas especialidades médicas são tão gratificantes, poucas carregam consigo tanto poder de refazer o gênesis e repovoar o planeta.
Pois este texto de sábado, amigos, é sobre um desses recepcionistas exímios e que, nesses dias, cumprida a missão, abriu a porta do quintal deste mundo para ser acolhido no grande pomar ao lado. Chamava-se Tarcísio Pinheiro e toda a cidade o conhecia, até porque muitos e muitos das atuais gerações foram por suas mãos conduzidos ao milagre da vida. Mais de quarenta e cinco anos de trabalhos dedicados, sem interrupção, num entreabrir incessante das fronteiras do ser, para um sem número de caririenses. Não bastasse isso, fez-se ainda cirurgião do mais fino jaez, um clínico de faro aguçado, qualidades desenvolvidas em tempos em que a medicina ainda carecia de especialistas nas mais diversas áreas. Advindo da seminal Faculdade da Bahia, a primeira do Brasil, Dr. Tarcísio trazia consigo uma sólida formação humanística e ética. E, mais que tudo, trouxe todo o seu conhecimento, adquirido com árduas penas, para junto do seu povo, da sua gente. Profissional do mais fino trato, atendia a todos com uma presteza exemplar. Assumindo inúmeros cargos : diretor de Hospital, Chefe de Perícia, Médico de Saúde Pública; nunca se soube de reclamações dos seus fiéis pacientes ao seu trabalho. Não bastasse isso, desempenhou ainda uma profunda atividade social na cidade, inserindo-se na atividade agro-pecuária e desenvolvendo ainda uma ativa participação na vida política do Crato. Fez parte de uma heróica geração de médicos que, a partir dos anos 60, revolveram os horizontes de uma Medicina ainda de fortes tons empíricos, para os largos caminhos do cientificismo : Dr. Humberto Macário, Dr. José Ulisses Peixoto, Dr. Ebert Fernandes Teles, Dr. Maurício Teles, Dr. Fábio Esmeraldo, Dr. Tarcísio Pierre, Dr. Eldon Cariri, Dr. Luciano Brito, Dr. Mozart Magalhães, Dr. Elígio Abath, Dr. Valdir Oliveira, Dr. Hugo Barreto e muitos outros.
Estupefatos, diante da fragilidade da vida, parecemos todos tristes e cabisbaixos, sem perceber que são tênues e quase imperceptíveis os limites entre a corda bamba e o abismo; entre a luz e o breu; entre o ser e o não ser. O fogo que nos faz brilhar é o mesmo que nos queima, lentamente, a cera da vela da existência. Quanto mais brilho emitimos, mais vida consumimos. O que fica ? A persistente lembrança do brilho que iluminou tantos caminhos e veredas . Ela nos consola em pensar que quem ofereceu tanta luz aos que chegavam ao vestíbulo deste mundo; deve ser recebido, com fogos de artifício, do outro lado da porta do quintal que dá para o pomar.

J. Flávio Vieira

Atitudes no bem - Emerson Monteiro

A Terra é nossa casa, eis o título adotado pelo cantor, compositor e instrumentista Nando Cordel para desenvolve um projeto que visa acordar no coração das crianças, jovens e adultos, a riqueza das boas maneiras: o respeito, a humildade, o carinho, a moral, a gentileza... chamando atenção para que cada um olhe o outro como irmão.
Tal iniciativa ganha espaço na educação de crianças e adolescentes, sobretudo na atualidade, quando cresce no Brasil campanha para conter a violência na educação dos filhos. Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assina o projeto de lei que modifica o artigo 18 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Com a modificação, ficará vedado aos pais adotar castigos físicos para disciplinar ou punir os filhos.
Esse projeto de lei de autoria do Executivo federal, que depende agora da aprovação do Congresso Nacional, restringe inclusive as mínimas ações de punição, desde, por exemplo, simples palmadas, vistas até então, por alguns educadores, como medidas profiláticas de combate aos hábitos nocivos, na primeira fase da vida infantil.
Diante, pois, da necessidade premente de métodos inovadores que venham suprir os instrumentos usados na formação básica, o artista Nando Cordel sai, numa firme cruzada pedagógica pelo Nordeste, utilizando-se de belas cartilhas destinadas a crianças e educadores, enfocando áreas essências da prática diária nas escolas e no lar.
Temas quais escovação dos dentes, uso de linguagem apropriada, asseio, religiosidade, sinceridade, obediência e outros, são apresentados de modo didático nesse material.
Sempre demonstrando preocupação com a adoção dos valores positivos, este pernambucano nascido em Santo Agostinho vem visitando as secretarias de educação dos municípios, visando ampliar os frutos dessa tarefa que soma às apresentações musicais destinadas à propagação do conceito da Paz entre as pessoas.
Artista versátil, consagrado fenômeno de inspiração literária e musical, este menestrel se identifica com a gente do Ceará, e, no Cariri, vem prestigiando o trabalho dos Anjos Solidários – Cevema, em Juazeiro do Norte, a consolidar sua história de 25 anos de um talento consagrador.
Além desta campanha em prol do aperfeiçoamento da educação infantil, Nando Cordel também pretende deflagrar um movimento visando aumentar as doações de órgãos humanos, ora em andamento, com músicas e apresentações.
São estas, portanto, boas e possíveis finalidades da arte engajada no corpo da sociedade, quando seus ídolos abraçam causas nobres e retribuem à altura o carinho e a predileção do grande público ao seu trabalho. Dignas de nota as atuais providências de Nando Cordel nesta nova fase de sua carreira artística.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Cariri Encantado- Sonoridades! recebe André do Liberdade & Raiz.


Dentre os shows mais festejados pela platéia, que vibrou muito com o Palco Sonoro URCA/BNB na ExpoCrato 2010, esteve o da banda Liberdade & Raiz -liderada pelo André- que faz um chamado Reggae Roots, quando a cadência do Reggae se harmoniza com a poesia mais simples nordestina: é o Reggae Cariri!
A banda Liberdade e Raiz está nos palcos da vida desde 2006 e foi criada na cidade do Crato. Com um estilo inconfundível, tem conquistado um fiel público que reconhece e já canta o seu repertório de musicas autorais nos seus shows.
Pois então, vamos desvendar os mistérios desse Reggae, que da Jamacaica nascido tomou conta do planeta Terra, na conversa com o André no nosso Cariri Encantado – Sonoridades de hoje, quarta-feira, dia 29 de julho 2010.

Encontro Marcado:
Cariri Encantado- Sonoridades!
A partir das 14 horas pelas ondEas da Radio Educadora do Cariri.
Apoio Cultural: Radio Educadora do Cariri
Produção: Oca- Officinas de Cultura Artes e produtos derivados.
Apresentação: Luiz Carlos Salatiel.

domingo, 25 de julho de 2010

Numa lua quase cheia de julho - Emerson Monteiro

Sob os efeitos recentes da tempestade de emoções vividas por ocasião do lançamento do livro Cariricaturas em verso e prosa, acontecido na noite de 24 de julho de 2010, nas dependências do Crato Tênis Clube, resolvo escrever algumas palavras neste assunto.
Junto dessa vontade, me veio ao pensamento uma polêmica verificada no auge do jornal O Pasquim, arauto brasileiro da contracultura na década de 60, quando o escritor Luiz Carlos Maciel escrevia artigos analisando o conteúdo existencial das letras de Noel Rosa e, sem intenção deliberada, feriu o espírito realista do célebre Millôr Fernandes. Assim, sem querer, provocou cisão irreparável no grupo de artistas e intelectuais do semanário, abrindo brecha intransponível para a sua continuidade. Tudo por conta do modo romântico de olhar a vida sem meias tintas, com fartura de emoções, aos moldes da avaliação literária.
Na tempestade que invadiu o espaço do tradicional recanto da sociedade cratense, nessa noite de autógrafos repleta de escritores, convidados, falas e música, causou espécie a farta emocionalidade do instante. Cercado de amigos que se reencontravam, vindos alguns de lugares distantes, público feliz desfrutou ocasião pródiga e espontânea. Viu-se de perto o Crato criativo, resistente e culto redimido em ocasião típica dos seus melhores dias de antes experimentados.
A festa produzida por Socorro Moreira, Claude Bloc e Edilma Rocha, animada por Hugo Linard e banda, reavivou bons sentimentos do auge de épocas bem especiais guardadas na memória. O mistério dessa intensidade, desse fulgor, lembra a frase de Saint Exupéry que diz: Quando o mistério é muito impressionante não cabe desobedecer.
Em meio ao sucesso das atividades em movimento, busquei agir como quem anda nos corredores internos de uma loja de porcelanas e vidros finos. Tantas valiosas personalidades vistas de perto, ao gosto por literatura, cultura, arte; figuras marcantes todo tempo, nos vários estágios dos caminhos desse rincão forte do Cariri, formaram painel verdadeiro de histórias e ocasiões, no encontro ao natural. Uma grande nave de cumplicidades circunscreveu sonhos pelo ar, feito o clima imponderável dos filmes geniais de Federico Fellini, decerto.
Daí soube as razões internas da vez em que Luiz Carlos Maciel analisou as letras dos sambas de Noel Rosa com a lente dos sentimentos. Porquanto há dimensões que apenas pelo lado de dentro se pode tocar, independentes dos caprichos horizontais da razão fria, das matemáticas.
Nesse aspecto, foi o professor José Newton Alves de Sousa quem, ao agradecer as homenagens recebidas, melhor definiu a voltagem da festa.
Fez menção a outro discurso e consignou mudança radical que, então, vivenciara na fisiologia de seu corpo, pois diante daquilo todo ele se transformava apenas em um coração.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Nas situações-limite - Emerson Monteiro

O primordial não é o limite das situações, mas quem escapará delas, que apresentem por mérito o talento de vencer quando atravessar a correnteza dos extremos, através dos mares da dor, da dúvida, da solidão, etc.
A tudo o que existe corresponde um resultado de ordem prática, real, aquilo em forma de produto ligado às origens, resultante do objetivo que lhe deu início, à primeira vontade, levado ao seu fim derradeiro, nessa empresa chamada vida, existência, ou missão. Não importam as circunstâncias e seus variados matizes, pois, chegado ao final, isso também ficará para trás.
O que pesa, no entanto, vem no jeito de encarar os limites, casamento feito do hífen na palavra (situações-limite), nos moldes de uma ponte resistente. Os demais fatores valem por detalhes ocasionais de menor importância, companheiros de meio de viagem, frieza que se torna fundamental só no trato das circunstâncias, na vala comum das ocorrências.
Assim como o verbo ser representa estado de permanência, as situações fazem ligação do que se acha antes com o que virá depois, do ser que define o circunstancial das situações, ligando-as a sujeitos que permanecem até sumir nas curvas da estrada infinita, enquanto existe algo acontecendo conosco jamais sumirá.
O tempo marcha sempre, parado no mesmo lugar, fonte universal de um tônico invisível, imaterial, sol que a tudo purifica, fazendo e desfazendo, presença intermitente da realidade, luz no fim de todos os túneis por aonde se chegar.
O que vale é o equilíbrio entre as partes, a queda e a coisa que cai, a queda e a coisa que se levanta, para depois, de novo desaparecer e reaparecer noutras formas e oportunidades, essência daquilo que gerou, nas eras silenciosas, infinitas.
A propósito desse aparente estado de indiferença com que a natureza trabalha os seus fenômenos e das pessoas terem de cruzar de algum modo problemas extremos, ditas situações-limite, a história registra que Thomas Morus, filósofo inglês vítima de contradições religiosas na Grã Bretanha do século XVI, já enfermo, sem poder mais se movimentar com das forças pernas, ao chegar no cadafalso para ser decapitado dirigiu-se a um dos guardas que lhe acompanhavam e pediu:
- Amigo, ajuda-me a subir, que ao descer não te darei mais esse transtorno.
Quis dizer, noutras palavras, que dele apenas sobrariam retalhos de lembranças jogadas aos padrões da dignidade com que se opôs a cruéis perseguidores. Depois, então, mais nada restaria dos momentos que fogem, dentro da coerência e dos valores imortais desse chão.
Num gesto simples, contou que o tempo não passa; nós é que passamos, e, conosco, as coisas, pelo movimento provisório dos relógios e dos moinhos, iguais ao brilho das ondas de oceano imaginário, no sopro cadenciado do fole que sobra as brasas na oficina eterna do destino forjando, indivisível, o futuro.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Conversa sobre a ponte do Rio Batateira - José do Vale Pinheiro Feitosa

- Prá donde o sin-ô vai? Posso saber pru modi di quê?

- Vou torar a volta do tempo, botar a banda que diz “num vou” prá fazer uma corrida e acalmar a banda doida que só quer correr!

- Num faça isso! O patrão dos dia num vai gostar! Ele quer o mundo inguazin tá no canto do galo.

- E o gosto do patrão só engorda o braço que desce o relho. Ele quer mesmo é esta trava que nem vai e nem fica. A trava que desespera e justifica o emprego das chibatas no povo de todos os dias.

- Mas deixe de sê besta. Nem tu teim força pru modi morgar a vorta do tempo e neim corage de rodar as banda cum outra qualidade.

- E tua já viste limite para a vontade? Ela é feita das coisas do mundo. A vontade não é coisa do sonhar. Ela está tanto no atoleiro que pára o ônibus quanto no chão liso que escorrega o cristão.

- Mas a vontade do patrão é beim mais parruda que a tua!

- De modo algum. A vontade dele é menor do que a minha, pois a volta do tempo está enganchada. O que ele tem de diferente é o talho que faz nas carnes.

- E pru modi de quê tu qué sofrê. Jesus morreu crucificado e neim por isso o povo deixou de ser safado. Tu se assacrifica e o povo num amiora.

- O senhor nem pensa no que fala. Nem ouve o que digo. Eu não estou falando da miséria de cada um. Estou é falando no engancho da volta do tempo.

- Mais se o povo num muda num teve nein-uma valia o teu sacrifiço.

- Deixe as bandas girarem de modo diferente. Deixe que elas fiquem mais harmônicas, nem paradas e nem correndo. Aí o povo é quem vai se sentir desenganchado. E povo desenganchado é como um rio que corre no leito.

- Oxém mais dá enchente Leva os teréns que encontra no rumo da venta. Arreia as coisas, dar bundacanastra no que tá in pé, tora o inteiro e separa o que tá soldado.

- Mas o rio precisa das chuvas para ser rio. E se precisamos das chuvas não pudemos ser contra a natureza dos temporais.

- Vôti! Arri égua. Tu num teim jeito mermo. Tudo que eu disser teim resposta.

- É por que lhe respeito. Não posso ficar calado para uma pergunta que me faz.

A coisa certa, na hora certa - Emerson Monteiro

Tantas vezes nos pegamos a considerar se agora estamos onde deveríamos estar, que, ao menor sinal de desencanto, queremos logo saber qual seria um outro jeito de agir e procurar alguma inspiração que satisfizesse as nossas ações improvisadas. Por isso, existem os jogos de azar e os ledores da sorte espalhados neste chão.
As voltas que dá o mundo impõem condições rigorosas no uso do tempo e da liberdade. E uma palavra dita fora de hora, ou de maneira equivocada, corre o risco, não raras vezes, de cobrar preços elevados em termos de sofrimento, o que leva a pensar se haveria outros modos de trabalhar a vida e acertar com mais frequência, sem a presença tão rotineira do erro.
As considerações filosóficas criam esquemas de as pessoas funcionarem com mais sucesso quando gastam idade e saúde, estudos esses que demonstram, em mil doutrinas, religiões tradicionais, saídas particulares e até aventuras errantes, desastrosas, quanto à existência.
Os autores mergulham fundo nessa busca de rever o tempo que passou nas suas vidas, um esforço extremo de consertar aquilo em que falharam, e recuperar a fase auspiciosa da juventude, através dos frutos aprendidos nas experiências. No entanto, o que passou, passou; não volta mais; no que pesem as belas produções artísticas disso resultantes. Lindas melodias, raros livros, telas afamadas.
Os rastros deixados na estrada desta vida significam aquilo em que se transformaram os verdes anos de cada criatura, marcas fixadas no próprio corpo das pessoas, sobretudo na face engelhada, olhares cansados, caminhar incerto; nos dentes perdidos, barriga aumentada, frágil musculatura.
- Ah, se, quando jovem, eu soubesse do que agora sei tudo seria bem diferente na minha história, – afirmam de alguns espectadores arrependidos. Se, palavrinha poderosa, contudo, neste caso, ineficaz para gerar novas consequências. O que significa mesmo já ficou gravado nas trilhas da eternidade, restos de saudades, frustrações, lembranças.
Daí essa dúvida recorrente de saber sempre do lugar certo e da coisa certa ao se encaminhar durante cada momento. Parar e pensar, calcular, planejar, pois todo cuidado é pouco, na utilização dos dons preciosos de existir e dispor da saúde enquanto andamos nesta jornada cotidiana.
Uma crença positiva e as largas esperanças enchem os dias, alegram o espírito e alimentam o trato com os nossos semelhantes, isto sem preconceito e com animação e respeito, nutrientes essenciais da boa convivência. Naquilo que ignoramos, a realidade ensina que sábio é quem planta o bem para depois colher as dádivas da santa felicidade.

terça-feira, 13 de julho de 2010

Adeus , Paulo Moura ! ( 1933 - 2010 )




Cédulas eleitorais - Emerson Monteiro

Em um desses programas de televisão que mostram personagens remanescentes da história, assisti a depoimento de um senhor alemão que presenciou o momento exato quando Hitler reuniu multidão, lotando o maior estádio de futebol de Berlim, para, depois de emocionado discurso, consultar a propósito da sua decisão de fazer frente ao resto do mundo e iniciar a Segunda Guerra Mundial, destruindo a paz e ceifando milhões de vidas.
Naquele momento de consulta popular através da aclamação pública, o entrevistado via se configurar iminente a séria catástrofe que atingiria a humanidade inteira, por conta do gesto tresloucado ali resolvido sem qualquer apelação. Contudo nada pôde fazer para impedir a horda que avassalaria os destinos da civilização, porquanto seu voto representou apenas minoria vencida, em meio aos gritos histéricos da massa humana que, favorável ao espírito do ditador incoerente e perverso, assinava cheque em branco entregue nas mãos de frio e sanguinolento psicopata.
Soubesse o elefante a força que tem, o leão não seria o rei dos animais, afirma provérbio indiano, para considerar a verdade indiscutível dos acontecimentos na balança das coletividades.
Avaliassem os eleitores o peso de cada um dos votos que depositam nas urnas, e as sociedades decerto haveriam de conquistar níveis superiores de aperfeiçoamento e progresso durante toda a sua caminhada evolutiva.
Certa vez, ouvi D. Violeta Arraes falar com propriedade a respeito do quanto o povo francês considera importantes os turnos eleitorais, instantes solenes das decisões do futuro. Isso por conta do que a França já sofreu nas garras de aventureiros incompetentes, que lhe submeteram aos traumas de tragédias imensas, porquanto nenhuma família francesa atravessou o século XX sem amargurar o drama da escolhas infelizes de irresponsáveis que dominaram o continente europeu, levando-o a marcas dolorosas e profundas.
Bertolt Brecht, vítima dos desmandos da guerra, define sem meios tons a importância da democracia no poema O analfabeto político, quando assim define:
O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio depende das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que de sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

domingo, 11 de julho de 2010

As portas do abismo - Emerson Monteiro

O ser humano vive para responder a desafios, sendo esses ainda mais variados nos dias atuais, desde doenças transmitidas nas relações íntimas até as desigualdades sociais expressas nos da violência urbana que predomina, sobretudo nas cidades maiores, sem no entanto isentar dos crimes bárbaros as menores comunidades, em sua grande parte originados da falta de formação moral, do índice de agressividade crescente dos tempos ditos modernos e da utilização indiscriminada de substâncias bloqueadoras das funções da racionalidade.
Neste ponto histórico da nossa espécie, os exageros se apresentam com tamanha dominação que muitos se deixam abandonar sob o impacto desses desafios, quais meros escravos das avassaladoras ondas de uma destruição perversa.
O senso crítico bem que pode prevenir a vacilação comprometedora. Já partir da infância, os jovens devem dispor de estrutura para superar o sugadouro em que se transformou a cultura de massa, tendo ao comando a televisão, espécie de tóxico permissivo, de poderes inimagináveis, máquina do desequilíbrio, outro tipo de droga, quase sempre usada de modo equivocado para vender sensacionalismo, tolerada acima de qualquer avaliação prévia.
Assim, dizíamos, os jovens têm de descobrir desde cedo como criar firmeza para atravessar a longa jornada no planeta, independente da opinião de terceiros, pois a vida é, na verdade, uma missão individual, fora do juízo dos outros, considerando-se a saúde mental como a peça chave do equilíbrio naquilo que iremos cumprir no rumo da felicidade perene.
Quando detêm consciência do que fazem, os moços procuram agir com superioridade em relação a todos esses fatores adversos. Põem-se a par do valor das coisas simples, dentre elas a lucidez, construindo em si um sonho novo no coração, dentro da realização futura, a esperança dos tempos.
O jovem de hoje nem sempre possui condições de vencer o mar tormentoso da droga, porém deve fazê-lo, custe o que custar de sacrifício das vaidades e afoiteza, em nome de sua própria sobrevivência, porque traz consigo a semente do amor e da paz, respostas plenas de renovação de nossa espécie.
Avalie com carinho essa perspectiva: mantenha sua sobriedade no decorre da vida e verá como as reservas serão suficientes para vencer a todos os desafios. Só então perceberá o quanto há de sapiência nos mistérios da Natureza.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

O arcaico de o moderno na vida das tias Hig-Tech - José do Vale Pinheiro Feitosa

Esta história demorou a chegar. As minhas tias Raimunda, Rosinha e Maria, com telefone celular, antena parabólica e internet vivem no mundo sem sair do velho e arcaico sertão do Potengi. Os sobrinhos netos dela nem tomarão pulso do que isso significa. E que no tempo deles definitivamente a vida rural que já foi o centro da civilização brasileira, haverá se tornado mais um compartimento urbano, com ar campestre.

Mas isso é apenas para contextualizar que elas, ao contrário vivem uma vida dual: ora acham que a vida real é no mundo e noutra a virtual no sertão. Invertem, por assim dizer, a equação. Resulta em algo diferente esta inversão?

Claro! Pensam em deletar a seca e dar um boot no calor na hora de dormir. Outro dia foi seu Chagas, com o velho caminhão que veio pegar uma carga de milho e deu problema no virabrequim. Tia Rosinha não disse nada para ninguém. Desde a varanda onde se sentava, ouvindo a carga de palavrões que seu Chagas acumulava no rol de seus pecados, pensava em dar um enter na ignição do velho Mercedes. Pelo menos aquela maquinação barulhenta esconderia tantas interjeições do velho motorista.

Outro dia pediram a Chico Véi para ir ao Potengi completar algumas coisas em falta na despensa. Deram o telefone celular de uma delas para se comunicar caso precisasse. Pois bem, de motocicleta, 15 minutos para ir, uma hora para malandrar e comprar e mais 15 minutos para voltar. Após uma hora e meia, tia Maria confirmou no relógio e resolveu ligar para Chico Véi.

Mandou brasa naquele botão verde do celular com tanta força que pensou até ter ouvido “luar do sertão” que era a chamada do telefone que estava com Chico. Foi rápido, dois toques e Chico atendia:

- Pronto!
- Chico?
- Ninhora!
- Onde tu tá?
- Aqui!

Tia Maria virou-se e viu Chico ao seu lado. E pensava que o telefone dela estava com defeito provocando eco na voz de Chico. Esta era a prova fatal de que tinham, pelo meio, modificado a mensagem. Não conheciam Mc Luhan, mas poderiam ir a Wikipedia e tudo se resolveria.

Reunião de emergência. Onde estaria o moderno e o arcaico? Qual o papel do mundo e o do sertão?

A discussão foi acalorada, com consultas ao computador e até telefonemas para os sobrinhos. Finalmente chegaram à sentença:

- Nem o mundo e nem o sertão são arcaicos. – Já haviam chegado às mesmas conclusões que chegaremos no futuro. Não tem mais diferença entre estes compartimentos.
- E o arcaico não existe mais?
- Existe sim senhor. Nem fique avexado.
- O arcaico somos nós. Quando este momento aí se equilibrar não vão entender nada de nós.

As Tias High-tech@arcaico.br.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Um dia de partir - Emerson Monteiro

Em um sonho recente, me vi menino outra vez. Menino bem à época quando parti com minha família do sítio onde nascera, em Lavras da Mangabeira, e viemos viver na cidade, em Crato, na região do Cariri cearense. Sei explicar pouco daquilo tudo, via, no entanto, sacudido de emoções e movimento, a hora da mudança; caminhão, jipe, malas, cacarecos espalhados pela calçada, na casa que meu pai construíra próxima da capelinha do sítio, em colina que divisava lá longe a bagaceira do engenho, a casa grande em que moravam meus avós paternos, uma represa do açude velho e o engenho. Logo embaixo passava, e fazia curva, a estrada principal que levava aos outros sítios mais acima, Grossos, Caraíbas, Santa Catarina, outros mais.
Via-me entre tantas esperas de desconhecido como nunca antes. Eu, menino dos matos, de poucos carros, multidão nenhuma, ignorante de gelo, calçamento. O que sabia de pessoas aglomeradas coubera no terreiro da casa grande na noite em que minha avó promovera uma quermesse de leilão para arrecadar recursos e restaurar a capela. Muitas prendas foram postas numa mesa grande e chegou gente de tudo quanto foi canto, dos lugares em volta. Daí, arriscar sair para mais longe, de onde meu pai voltava todo final de semana e preparara as coisas a fim de irmos morar, seria tarefa das maiores, na cabeça de uma criança de quatro anos.
Mas não me consultaram se queria largar para trás vacas, bezerros, ovelhas, jumentos, galinhas, pássaros, brisa gostosa das paredes de açude, as nuvens, a máquina de costura de minha mãe a cantar que eu observava nas manhãs da varanda, as raposas que meu pai pegava nas armadilhas deixadas no quintal da casa em incursões perversas ao poleiro das galinhas. A casa que só tinha de cimento queimado alguns cômodos, enquanto os demais eram de tijolo rústico, quase chão batido, em que mijávamos na absoluta naturalidade pelo fundo da rede, nas noites frias do sertão.
Fui sendo arrastado naquela voragem esquisita. Minha mãe chorava inconsolavelmente; meu pai preocupado, no meio do povo, a dar ordens na arrumação dos trens; os outros irmãos, Everardo, Lydia, os mais velhos, e Sônia, a mais nova, se perdiam com facilidade em meio àquilo tudo de partida sem esperança de um dia retornar a não nas férias do meio do ano, que aos poucos foram perdendo a graças, na concorrência dos novos apegos da cidade, colégios, amigos, namoradas, filmes, revistas, sorvetes, chocolates, pão do reino, essas bugigangas embusteiras dos mundos industrializados.
Saía de jeito esquizofrênico, forçando a originalidade das coisas no coração da gente, sem ser perguntado se desejava ir, levado para fora do universo inocente onde fora posto também sem ser perguntado. Lembro de poucos detalhes daquela peça rigorosa pregada pelo destino. Uns pedaços de memória afloraram nessa hora de sonho, contudo em algum lugar habita ainda um forte sentimento de saudade particular de mim mesmo, bicho assustado de saudade encolhido no lugar misterioso do qual, vez em quando, resolve sair para pregar das suas e enfiar de com raiva as unhas nos molhes abandonados do tempo, nessas avenidas longas do inconsciente.

Una

Bem que o Conselheiro já nos havia antecipado: o Sertão vai virá mar ! Quem se deteve nas imagens dos noticiários televisivos da semana passada, descobriu que o visionário barbudo de Canudos tinha lá suas razões. Uma chuva inusitada banhou as cabeceiras do Rio Una, no Agreste pernambucano, e o fez inundar as cidades de Barreiros, Palmares, Cortês. Cortando como uma artéria pulsante o Agreste, de Oeste a Leste, deitando suas águas em São José da Coroa Grande, já na fronteira com Alagoas, o Una destruiu praticamente as cidades por onde passou. As imagens que se viram, pareciam arrancadas do Haiti, após o terremoto devastador. Quase uma centena de mortos e desaparecidos. Pessoas desesperadas, que já tinham tão pouco na vida, se punham a observar, sem planos, a terra dizimada, como Noé diante do dilúvio.
Este texto sai em meio à calamidade, arrancado da lama como um caranguejo. Talvez porque, como caririenses, sentimo-nos também pernambucanos e, depois, porque o Una, na sua fúria, atingiu uma cidadezinha que tem uma ligação umbilical com o Cariri : Água Preta, cujo nome talvez tenha sido profeticamente depreendido das barrentas águas do Rio Una. A cidadezinha ,hoje de pouco mais de trinta mil habitantes, até o final do Século XIX ,era mero distrito de Rio Formoso. A vila tem lá seu lado épico, foi o último reduto da Revolução Praeira e lá o Capitão Pedro Ivo se refugiou, após a derrota no Recife, e manteve uma guerrilha, até ser vencido definitivamente em 1848.
O que nos liga diretamente à Água Preta, no entanto, é um outro fato. Ali, na zona rural, nasceu em 1877, uma figura exponencial da história caririense : Manuel Soriano de Albuquerque. Brotou naquele oco de mundo, aquele que viria ser uma das figuras mais notáveis da intelectualidade nordestina. Soriano fez seus estudos preliminares em Olinda e Recife e ,em 1899, ali terminou o curso de direito. Fizera-se., então, tribuno respeitado e assíduo colaborador na imprensa pernambucana. Foi nesta época que os ágeis dedos do destino teceram os fios que atariam Soriano ao Crato. Ele se tornou amigo de um outro Manuel: o Belém de Figueiredo, filho do famoso Coronel Belém. Este precisava, justamente, de um substituto para o juiz Holanda Cavalcante. Sob a influência do amigo, Soriano foi nomeado, pelo Presidente Nogueira Acioly , juiz substituto desta cidade, aqui aportando, significativamente em janeiro de 1900, na aurora do novo Século.
O Crato nunca mais seria o mesmo. Soriano de Albuquerque , acostumado às noites recifenses, revolveu o município de seu mofo. Criou ,aqui , um dos Grupos seminais do Teatro Cearense ; “ Os Romeiros do Porvir”, onde foi dramaturgo, cenógrafo, diretor e ator. Nele estava inserida toda a intelectualidade cratense: Luiz Gonzaga, nosso primeiro fotógrafo e o introdutor dos primeiros rudimentos de cinema na região; Fantina Aires a primeira dama do teatro caririense; Miguel Lima Verde, um dos primeiros médicos do estado. Soriano fundou ainda o Colégio Leão XIII e os jornais : A Semana, A Cidade do Crato , Jornal do Cariri, Correio do Cariri, O Sul do Ceará e ainda a revista : Coração do Ceará, Em setembro de 1902, transferiu-se para Barbalha por conta das brigas políticas envolvendo os Coronéis Belém e Antonio Luiz. Para lá levou o Colégio Leão XIII e ali fundou a Sociedade Instrutiva José Marrocos e continuou seus trabalhos de dramaturgia. Em 1905 transferiu-se, definitivamente para Fortaleza, onde dirigiu uma das Seções da Revista do Ceará . Reiniciou, então, seus afazeres na área jurídica, tornando-se professor e fundador da Faculdade de Letras( 1913). Atuou prolificamente como crítico literário, ensaísta, jornalista, poeta, jurisconsulto, com um prestígio enorme em todo Nordeste. Não bastasse isso, Soriano mergulhou pioneiramente, numa nova área do conhecimento: A Sociologia, sendo o fundador da Revista Brasileira de Sociologia e um dos primeiros cientistas brasileiros a se dedicar à nova Ciência. Em 1912 foi eleito membro do Instituto do Ceará. Numa manhã de setembro de 1941, Soriano alçou vôo, placidamente, da sua cadeira de balanço. Tinha sessenta e quatro anos e vivia humildemente, plantara o seu tesouro à distância das traças e dos cupins: mais de 92 obras dos mais variados tons.
Soriano de Albuquerque era filho adotivo do Cariri. Casara com uma cratense, D. Júlia Milfont de Amorim, quando ela tinha apenas treze anos. Quem sabe terá sido a Chapada do Araripe a sua última visão no seu vôo de Ícaro? Se o Rio Una revolveu toda Água Preta nos dias atuais, nosso teatrólogo sacudiu, com força igual, todos os alicerces da nossa terra, num movimento sísmico diverso. Ao contrário do Una, empreendeu um hercúleo processo de construção e ergueu as sólidas paredes da nossa identidade cultural . Numa estranha geografia, o manso Rio Grangeiro tornou-se afluente do turbulento Rio Una.

J. Flávio Vieira

Por tua linda cabeleira - José do Vale Pinheiro Feitosa

Os cabelos se tornaram objeto de desejo da indústria cosmética. Não por acaso. Isso vem de muito tempo. Em todos os povos, todas as culturas e civilizações os cabelos foram objeto de adoração e mitificação. Parte da transcendência do corpo como símbolo ocorre com os penteados, com os cortes a darem outra mensagem. Distinta a que uma determinada cultura se acostumara e agora pode se encontrar diante do inusitado só de um corte diferente do que esperava.

As Copas do Mundo se tornaram um centro destas diferenças. Desde Ronaldo com aquele corte a Príncipe Danilo na copa de 2002, até as inúmeras e coloridas desta atual copa africana. O que não se dizer dos desfiles fashion, das propagandas de shampoo, especialmente quando o objeto do desejo é sexual e ocorre nas volumosas cabeleiras femininas.

Não existe nada mais sedutor, mais universal no símbolo do desejo pela mulher do que seus cabelos e isso não é uma tara pessoal. Os Muçulmanos inteiros pensam assim, têm de cobrir as madeixas mundanas destes seres que desviam as almas maometanas da concentração em Deus.

Em Pernambuco, nos arredores de Recife, diz Câmara Cascudo, havia um “assassino, chefe de malta, ladrão, tornado famoso pela sua coragem e destemor. Forte, bonito, com uma extensa cabeleira que lhe deu o apelido, José Gomes, filho de Joaquim Gomes, com o pai e em companhia do mameluco Teodósio, espalhou o terror durante anos e anos, despovoando zonas inteiras e constituindo um pavor coletivo. Cantava-se, como ainda hoje, duzentos anos depois: “Fecha a porta, gente./ Cabeleira vem ai!/ Matando mulheres,/ Meninos também...”. E, para contrariar a assertiva do parágrafo anterior, se tratando de espécime masculino. Franklin Távora fez da vida deste homem um romance: O Cabeleira.

Quem não lembra daqueles cachinhos encastelados em metal, normalmente ouro, a servir de berloques para os pais daquela criança que um dia os perdera no primeiro corte. E as forças dos cabelos de Sansão a explicar a traição e a sedução? A clássica história de George Sand decepando sua linda cabeleira e a enviando a Musset como oferta de sua devoção sexual?

Nada mais trágico do que aparar rente uma linda cabeleira. Quem se esqueceu da atriz argentina, Irma Alvarez, nas páginas da Revista o Cruzeiro, em 1961, rapando a cabeça para estrelar no filme inacabado de Ruy Guerra: O Cavalo de Oxumaré? Do meu coração sangrando, eu lembro, quando Socorro, uma linda menina da Batateira, deixou rentes os cabelos que era uma majestosa e dourada cabeleira a balançar minhas fantasias universais.

Os cabelos são tão fundamentais que se tornam pagas de promessas aos santos. Na bruxaria, voltem no tempo muito mais do que estava, os cabelos eram peças chaves: segundo Câmara Cascudo pela lei da contigüidade simpática. (contigüidade simpática – bem resumido – se refere à similaridade entre a pessoa e os seus cabelos, pois em magia a contigüidade ocorre por similaridade entre as partes e o todo e esta só se transmite por simpatia através de infusões, toques etc. Segundo Claude Levy Strauss: Nos ritos de enfeitiçamento praticados sobre um fio de cabelo, este é o traço de união entre a destruição figurada e a vítima da destruição.). Em bruxaria, mais uma vez Câmara Cascudo, “os da cabeça enlouquecem ou matam. Os da partes pudendas anulam a virilidade.”

Sabem aquela trunfa do Elvis Presley que tanto “modernizou” a vida do pós-guerra? Era a velha expressão simbólica do arrojo pessoal e do destemor, assim como os longos e cacheados cabelos dos nossos lampiões do árido sertão. E, recordem, a filmografia mostrou isso à exaustão, uma referência o filme Cinco Mulheres Marcadas, de 1960, com Silvana Mangano, Jeanne Moreau, Vera Miles, entre outras atrizes, com as cabeças rapadas por terem sido amantes de militares alemães durante a ocupação da França na segunda guerra mundial. Isso era uma prática na península ibérica, rapar a cabeleira das mulheres como pena e pertencia ao Código Visigótico (portanto antes da dominação árabe).

Isso se aplicava aos homens rebeldes, quando os vassalos se insurgiam contra os senhores feudais, ou por falsidade ou covardia. Então, no feudalismo, os homens também eram descalvados e expulsos em grande humilhação. Até que os cabelos cresciam novamente e quem tivesse juízo aprendia um novo método de contrariar a ordem emanada pelos senhores ou perdiam o juízo e se sujeitavam com a cabeleira cheia de piolhos.

E existiam, como outra modalidade de pena, tendo os cabelos como fonte, a tosquia. O cabelo aparado dos recrutas não tem outro sentido do que a sujeição à cadeia de comando que lhes chega aos ouvidos com as diatribes de cabos e sargentos. Em religião, assim como os militares, a prática da tosquia e rapinagem é ampla e mundial, inclusive nas religiões orientais como no budismo.

Os cabelos de Socorro, soltos no panorama do canavial da Batateira era o que ocorria com as jovens, já o da minha avó, viúva, elam longos, mas rigorosamente presos em coque. E quando as minhas duas avós se deslocavam até a Missa, iam, igualmente, com as cabeleiras cobertas e com vestidos de tons escuros.

E, finalmente, à beira do rio Batateira, sereno e de águas translúcidas, a correr como meu sangue de adolescente fervente, via as mulheres lavando roupas e seduzindo minha alma enquanto ensaboavam as longas madeixas. E quando todos imaginam que eram fantasias apenas minha, elas diziam que os fios soltos que desciam com as águas se transformavam em cobras. Eu bem sei o que sentia.